9 de março de 2014

Luiza Neto Jorge: A outra mão






















Entre o ser possuído e aquele saco
onde cai aquele
que irá possuir-se dele
vagueia uma outra mão em estado
revolto

seus satélites dedos
róseos
sobre a rosácea do ser
em suspensão

Mão rota franjada numa
leveza distraída
Abre-se a mão como a boca
de uma flor falando em dons
Estende-se ao pátio interior
dos seres em possessão ─

pois os dedos
são insectos poedores
põem o ovo o rastilho
no ninho da intromissão

As vezes como uma cobra
a mão só deixa a pele
e então a verdade surge:
que não há mão por baixo.


A mão para actuar
tem que sofrer as palmas
como um actor no palco
da acção que vai estrear.

Comer, peixe, o seu plâncton
do ar valer-se bebê-lo
ir dentro do mundo e vir
ou ser vírgula soleníssima
numa vida corredia

ou ser então negra beleza
ou revolta mão de cintura nova
que em tombar, mata.


Luiza Neto Jorge
Portugal (Lisboa) 1939-1989
in “ Poesia “
Assírio & Alvim 
photo by Google


Sem comentários:

Enviar um comentário