10 de janeiro de 2015

Eugénio de Andrade: Apenas um Corpo

Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.

Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.

Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
o peito e tremem,
pesadas de desejo.

Um rio interior aguarda.
Aguarda um relampago,
um rio de sol,
outro corpo.

Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.

Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo do meu corpo desvelado.



Eugénio de Andrade
Portugal (Castelo Branco) 1923-2005
in As Palavras Interditas,
                        Até Amanhã 
Editor: Assirio & Alvim
photo by google

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