Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

19 de maio de 2012

A Sesta: Almada Negreiros

Pierrot escondido por entre o amarelo dos girassóis espreita
em cautela o sono dela dormindo na sombra da tangerineira.
E ela não dorme, espreita também os olhos descidos, mentindo o
sono, as vestes brancas do Pierrot gatinhando silêncios, por entre o
amarelo dos girassóis. E porque Ela se vem chegando perto,
Ela mente ainda mais o sono a mal-ressonar.
Junto d'Ela, não teve mão em si e foi descer-lhe um beijo
mudo na negra meia aberta arejando o pé pequenino. Depois
os joelhos redondos e lisos, e já se debruçava por sobre os
joelhos, a beijar-lhe o ventre descomposto, quando Ela acordou
cansada de tanto sono fingir.
E Ele ameaça fugida, e Ela furta-lhe a fuga nos braços nus
estendidos.
E Ela, magoada dos remorsos de Pierrot, acaricia-lhe a
fronte num grande perdão.E, feitas as pazes, ficou
combinado que Ela dormisse outra vez.

José Almada Negreiros
(Portugal 1893-1970)

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