Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

28 de março de 2016

Japão, Anónimo: Visita nocturna



Desvia o estore de bambu,
amor;
entra e chega-te a mim.
Se a minha mãe ouvir,
direi: «foi apenas o vento».



Anónimo
Japão Séc. VIII
Trad. Jorge Sousa Braga
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
photo by Google

Índios da América do Norte: Canção de Amor



Levantei-me cedo, - e era azul
Toda a manhã.
Porém o meu amor já havia partido:
- Já tinha atravessado as grandes portas da aurora.

No monte Papago a presa na agonia
olhou-me
com os olhos da minha amada.



Índios da América do Norte
Séc. XVII_XVIII
Trad. Herberto Helder
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
photo by Google 

Dama Pan: O Leque

Na perfumada alcova a esposa estava,
Noiva ainda na véspera. Fazia
Calor intenso; a pobre moça ardia,
Com fino leque as faces refrescava.
Ora, no leque em boa letra feito
Havia este conceito:
«Quando imóvel o vento e o ar pesado,
Arder o intenso estio,
Serei por mão amiga ambicionado;
Mas volte o tempo frio,
Ver-me-eis a um canto logo abandonado.»

Lê a esposa este aviso, e o pensamento
Volve ao jovem marido.
«Arde-lhe o coração neste momento
(Diz ela) e vem buscar enternecido
Brandas auras de amor. Quando mais tarde
Torna-se em cinza fria
O fogo que hoje lhe arde,
Talvez me esqueça e me desdenhe um dia.»



Dama Pan
China c. 48-6 a.C.
Trad. Machado de Assis
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Anónimo, Índia: Aonde vais na noite escura?




Aonde vais na noite escura?
Ao encontro daquele por quem o meu coração anseia
E sendo formosa jovem e insegura
não tens medo de ir sozinha?
Sozinha? Não. Armado de arco e flechas
o amor faz-me companhia




Anónimo
Índia Séc. IV a.C.
Trad. Jorge Sousa Braga
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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São João da Cruz: Canções de Cristo e da Alma


Um pastorzinho, só, mortificado,
longe está de prazer e de contento,
firme em sua pastora o pensamento
e o peito pelo amor dilacerado.

      Não chora por o amor o ter chagado,
pois não lhe dói assim ver-se afligido,
embora o coração tenha ferido;
chora só por pensar que é olvidado.

      Que só por pensar que é olvidado
por sua bela pastora em dor tamanha
se deixa maltratar em terra estranha,
o peito pelo amor dilacerado.

      E diz o pastorzinho: Ai, desgraçado
daquele que meu amor tornou ausência,
e não deseja gozar minha presença,
o peito por seu amor dilacerado!

      E ao fim de muito tempo, alcandorado
sobre uma árvore, abriu seus braços belos,
e morto assim ficou, suspenso deles,
o peito pelo amor dilacerado.




São João da Cruz
Espanha, 1542-1591
Trad. José Bento
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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cantodaalma: Teixeira

" Teixeira "

Famosa pelo seu doce
De norte a sul de Portugal,
É o orgulho do seu povo
Como ela não há igual.

Velhas casinhas, de branco vestidas
Andorinhas à janela,
Formosa que o rio beija
Oh! Que paisagem tão bela.

Filha de Baião
Aos pés do Marão sentada
Terra que me viu nascer

Teixeira, tu és para mim,
Princípio, meio
e fim.




cantodaalma
Portugal, 1959
photo by Paulo Lima

27 de março de 2016

Thomas Campion: Dorme, beleza irada





Dorme, beleza irada, dorme e não me temas.
Pois quem se atreve a provocar um leão adormecido?
Bastar-me-á sentar aqui e ver
Cerrados aqueles lábios que nunca falaram afavelmente.
Que visão melhor pode contentar a alma de um amante
Do que a beleza que parece inofensiva, se não mesmo afável?
As minhas palavras encantaram-na pois segura dorme;
Ainda que culpada de muita mal ter tratado o meu amor;
E no seu sono, vede, de olhos fechados chora:
Muitas vezes os sonhos, mais do que as paixões da vigília, comovem.
Advoga, sono, a minha causa; e como tu torna-a doce assim,
Para que em paz acorde e se apiede de mim.



Thomas Campion
Reino Unido, 1567-1620
Trad. Cecília Rego Pinheiro
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Alemanha, Anónimo: Soneto alegórico


Amanda, amiga, és bife pra frios corações,
Precioso cofre de ouro, tocha ardente do amor,
Fole de meus suspiros, mata-borrão da dor,
Areia de meus males, bálsamo de aflições,

Chama de minhas velas, de meu prazer manjar,
Bacio de meu descanso, da poesia clister,
Néctar de minha boca, rol de gozos pra ver,
Lugar de reverências, mestra de bem zombar.

Um poço de virtudes, calendário de meu tempo,
Facho de devoção, fonte de encantamento,
Tu, abismo profundo cheio de manhãs amenas,

Maçapão de minh’alma, e das línguas melaço,
E tudo o mais, amiga, que aqui deixar não posso.
Pinça de meus tormentos e espanador das penas.


Anónimo
Alemanha Séc. XVII
Trad. João Barrento
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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P’hra Lo: P’hra Lo e as duas princesas



























O seu rosto aproxima-se do rosto de faces claras e frescas
Ó rosto jovem e encantador!
O seu seio aproxima-se do seio delicado, o seu ventre, do ventre,
Ó doce ventre e doce peito repleto de amor!
Enfeitiçado, une-se a ela, fresca e deslumbrante.
Intimamente misturam-se os perfumes e os gostos, os desejos
e os destinos.
São como as flores deslumbrantes de uma grinalda, cujas pétalas
desabrocham e se exibem
E a abelha vem remexer intimamente no coração do lótus, enquanto
eles se excitam chamando um pelo outro.
Um banho no lago do paraíso não iguala o banho no lago da pequena
princesa de carne macia, molhada, oh! até à saciedade.
A felicidade é imensa no lago da rapariga onde salta o peixe triunfante.




P’hra Lo
Sião Séc. XVII
Trad. Maria Jorge Vilar Figueiredo
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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João Xavier de Matos: Que assim sai a manhã serena e bela!


Que assim sai a manhã serena e bela
Como vem no horizonte o sol raiando!
Já se vão os outeiros divisando,
já no céu se não vê nenhuma estrela


Como se ouve a rústica janela
do pátrio ninho o rouxinol cantando!
Já la vai para o monte o gado andando,
já começa o barqueiro a içar a vela.

A pastora acolá, por ver o amante,
com o cântaro vai á fonte fria;
cá vem saindo alegre o caminhante;

Só eu não vejo o rosto da alegria:
que enquanto de outro sol morar distante,
não há-de para mim nascer o dia.


João Xavier de Matos
Portugal, Lisboa 1730/35-1789
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Angel Maria Dacarrete: Recordação


    A lua não brilhava, sacudidas
pelo vento as ramagens queixavam-se.
    Chispas de luz vertiam as estrelas
sobre as trémulas águas.
    Sob seu incerto esplendor eu via
rolar por suas faces uma lágrima
e, toda trémula, entre suas mãos hirtas
minhas mãos apertava.
    Mas de repente de seus olhos negros
o vivo raio penetrou minha alma,
e, retirando sua mão das minhas,
seu olhar afastava.
    A altiva fronte levantou serena;
sorriso amargo em seus lábios vagueava…
e, pálidos nós dois e silenciosos,
deixámos a ramada.



Angel María Dacarrete
Espanha, Cadiz 1827-1904
Trad. José Bento
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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José Martí: Taça com asas

Uma taça com asas: quem a viu
Antes de mim? Vi-a ontem. Subia
Com lenta majestade, como quem verte
Óleo sagrado: em suas doces bordas
Meus delicados lábios apertava:
Nem uma gota sequer, nem uma gota
Do bálsamo perdi que houve em teu beijo!

Tua cabeça de negra cabeleira
-Lembras-te? - com minha mão pedia,
Pra que de mim teus lábios generosos
Não se afastassem. - Serena como o beijo
Que a ti me transfundia era a suave
Atmosfera em redor: a vida inteira

Senti que a mim, abraçando-te, abraçava!
Perdi de vista o mundo, e seus ruídos,
Sua invejosa e bárbara batalha!
Uma taça subia pelo espaço
E eu, em braços não vistos reclinado,
Atrás dela, nas doces bordas preso:
Pelo espaço azul eu ascendia!

Oh amor, oh imenso, oh artista perfeito!:
Em roda ou em carril funde o ferreiro o ferro:
Uma flor ou mulher ou águia ou anjo
Em ouro ou prata o ourives cinzela:
Apenas tu, só tu, sabes o modo
De reduzir o Universo a um beijo!



José Martí
Cuba, Habana 1853 – Dos Ríos 1895
Trad. José Bento
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Ahmad Shawqi: confundiram-na ao chamar-lhe bela

confundiram-na ao chamar-lhe bela
-- e ela era sensível às serenatas  ̶
deveras esqueceu meu nome
no vai e vem dos amantes?
ela vê-me e afasta-se,
oh recordação que volvesse
a sorrisos, a olhares que todavia
faziam nossas delícias d’outrora.
separávamo-nos para a cura,
doentes um do outro até ao gemido,
quando éramos  ̶  ah não digas nada  ̶
dois amantes possuídos pelo amor
e a castidade vigiava
sabiamente as paixões…
ela tirava a minha túnica, dizendo:
vós belos poetas e homens enamorados
temeis Allah
lançando-vos no coração das virgens.
mas não sabeis vós
que o coração das virgens é o vento?



Ahmad Shawqi
Egipto, Cairo 1868-1932
Trad. Adalberto Alves
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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13 de março de 2016

Cultura Celta: Aonde vais linda donzela?




«Aonde vais tu, linda donzela
Donzela branca da loira trança?»

«Eu vou à fonte, meu bom senhor.
Morangos do bosque dão às donzelas
A face rosada e olhos bonitos.»

«Que fazes tu se contigo eu for
Donzela branca da loira trança?»

«Faz como queiras, meu bom senhor.
Morangos do bosque dão às donzelas
A face rosada e olhos bonitos.»

«Se eu me deitar contigo no chão
Donzela branca da loira trança?»

«Eu me alevanto, meu bom senhor.
Morangos do bosque dão às donzelas
A face rosada e olhos bonitos.»

«E o pai quem será do teu menino
Donzela branca da loira trança?»

«O pai serás tu, meu bom senhor.
Morangos do bosque dão às donzelas
A face rosada e olhos bonitos.»



Cultura Celta
Séc. XVII
Trad. José Domingos Morais
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Nguyen-Du: Beleza de Thuy-Kieu

























A sua beleza é comparável à da deusa lunar
O busto é delgado como o tronco do damasqueiro
A pele tem a brancura vertiginosa da neve,
O rosto é tão redondo como a lua,
Os lábios entreabriam-se perfumados como uma flor de manhã,
As suas palavras eram tão raras como o jade e as pedras preciosas,
As nuvens perdiam a beleza ao lado da negrura da sua cabeleira,
A neve perdia o seu esplendor ao lado da brancura ideal da sua pele,
Os seus olhares ondulavam como vagas de Outono,
As sobrancelhas lembravam os bosques na Primavera.
As flores tinham ciúmes ao verem-se menos deslumbrantes do que ela,
A sua beleza era única e não havia nada que se comparasse ao seu talento;
Vivia refugiada em persianas e tapeçarias bordadas
Enquanto as borboletas e as abelhas rodopiavam e esvoaçavam à sua volta...



Nguyen-Du
Indochina, 1765-1820
Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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António Feijó: Folha de Salgueiro
























Adoro esta mulher moça e formosa,
Que à janela, a sonhar, vejo esquecida,
Não por ter uma casa sumptuosa
Junto ao Rio Amarelo construída…
– Amo-a porque uma folha melindrosa
Deixou cair nas águas distraída.

Também adoro a brisa do Levante
Não por trazer a essência virginal
Do pessegueiro que floriu distante,
No pendor da Montanha Oriental…
– Amo-a porque impeliu a folha errante
Ao meu batel no lago de cristal.

E adoro a folha, não por ter lembrado
A nova primavera que rompeu,
Mas por causa de um nome idolatrado
Que essa jovem mulher nela escreveu
Com a doirada agulha do bordado…
E esse nome… era o meu !



António Feijó
Portugal, Ponte de Lima 1859 – Suécia, Estocolmo 1917
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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Delmira Agustini: O Inefável


Eu morro estranhamente....Não me mata a vida,
a morte não me mata, não me mata o amor;
morro de um pensamento silente qual ferida…
Não sentistes jamais a estranha dor

de um pensamento imenso que se arraiga na vida
devorando alma e carne, sem conseguir dar flor?
Nunca levastes dentro a estrela adormecida
Que vos abrasava todos e não dava um fulgor?

O cume dos martírios...! Levar eternamente,
dilacerante e árida, a trágica semente
como um dente feroz nas entranhas cravada!...

Mas arrancá-la um dia na  flor que, salvadora
e  inviolável, se abrisse... Ah! maior não fora
ter a cabeça de Deus entre as mãos levantada!



Delmira Agustini
Uruguai, Montevidéu 1885-1914
Trad. José Bento
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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José Joaquín Pasos: Quatro

























Fechando estou meu corpo com as quatro paredes,
nas quatro janelas que teu corpo me abriu.
Estou a ficar só com meus quatro silêncios:
o teu, o meu, o do ar, o de Deus.

Vou descendo tranquilo por minhas quatro escadas,
vou descendo por dentro, muito dentro de eu,
onde estão quatro vezes quatro campos enormes.
Por dentro, muito dentro, - que vastidão eu sou!

E que pequena és tu com teus quatro reais,
com teus quatro vestidos feitos em Nova Iorque.
Vais ficando despida e pobre ante meus olhos;
quatro vezes te quis; quatro vezes já não.

Estou a fechar minha alma, já não espreito a ver-te,
já não te vejo o ar que meu amor te dera;
vou descendo tranquilo com meus quatro carinhos:
o outro, o meu, o do ar, o de Deus.



José Joaquín Passos
Nicarágua, Granada 1914 – Managua 1947
Trad. José Bento
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assírio & Alvim
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