Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

31 de maio de 2022

Zé da Luz: A Cacimba

 

Tá vendo aquéla cacimba
Lá na bêra do riácho,
Im riba da ribancêra,  
Qui fica, assim, prú dibáxo
De um pé de Tamarinêra?

Pois, um magote de môça,
Quáge toda menhãzinha,
Fóima, assim, aquéla túia,
Na bêra da cacimbinha
Tumando banho de cúia!

Eu não sei, pruquê razão,
As agua déssa nacente,
As agua qui alí se vê,
Tem um gôsto deferente
Das cacimba de bêbê...

As agua da cacimbinha
Tem um gosto mais mió
Nem sargáda, nem insôça...
Tem um gostinho do suó
Dos suváco déssas môça...

Quando eu vejoéssa cacimba,
Qui ispío a minha cara
E a cara torno a ispiá,
Naquélas águas quilára
Pégo logo a desejá...

... Desejo, praquê negá?
Desejo sê um caçote,
Cum dois óio dêsse tamanho!
Prá vê, aquêle magote
De môça tumando banho!!




Zé da Luz
Brasil, 1904-1965
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Vinícius de Moraes: Os quatro elementos



                  I   O Fogo

O SOL, desrespeitoso do equinócio
Cobre o corpo da Amiga de desvelos
Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pelos
Enquanto ela, feliz, desfaz-se em ócio.

E ainda, ademais, deixa que a brisa roce
O seu rosto infantil e os seus cabelos
De modo que eu, por fim, vendo o negócio
Não me posso impedir de pôr-me em zelos.

E pego, encaro o Sol com ar de briga
Ao mesmo tempo que, num desafogo
Proíbo-a formalmente que prossiga
Com aquele dúbio e perigoso jogo...
E para protegê-la, cubro a Amiga
Com a sombra espessa do meu corpo em fogo.


                 II   A Terra

UM DIA, estando nós em verdes prados
Eu a a Amada, a vagar, gozando a brisa
Ei-la que me detém nos meus agrados
E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa

Com face cauta e olhos dissimulados
E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza
Como se os beijos meus fossem mal dados
E a minha mão não fosse mais precisa.

Irritado, me afasto; mas a Amada
À minha zanga, meiga, me entretém
Com essa astúcia que o sexo lhe deu.

Mas eu não sou bobo, digo nada...
Ah, é assim... (só penso) Muito bem:
Antes que a terra a coma, como eu.


                 III   O Ar

COM MÃO contente a Amada abre a janela
Sequiosa de vento no seu rosto
E o vento, folgazão, entra disposto
A comprazer-se com a vontade dela.

Mas ao tocá-la e constatar que bela
E que macia, e o corpo que bem-posto
O vento, de repente, toma gosto
E por ali põe-se a brincar com ela.

Eu a princípio, não percebo nada...
Mas ao notar depois que a Amada tem
Um ar confuso e uma expressão corada

A cada vez que o velho vento vem
Eu o expulso dali, e levo a Amada:
-- Também brinco de vento muito bem!


                 IV  A Água

A ÁGUA banha a Amada com tão claros
Ruídos, morna de banhar a Amada
Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar
Os sons como se foram luz vibrada.

mas são tais os cochichos e descaros
Diz-lhe a água, que eu friamente encaro
Os fatos, e disponho-me à emboscada.

E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a
A contar-me o que houve entre ela e a água:
-- Ela que me confesse! Ela que diga!

E assim arrasto-a à câmera contígua
Confusa de pensar, na sua mágoa
Que não sei como a água é minha amiga.




Vinícius de Moraes
Brasil, 1913-1980
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Julio Flórez: Flores negras

 

Ouve: sob as ruínas das minhas paixões.
e no fundo desta alma que já não alegras,
entre a poeira de sonhos e de ilusões
jazem intumescidas as minhas flores negras.

Elas são a lembrança daquelas horas
em que presa nos meus braços adormecias,
enquanto eu suspirava pelas auroras
dos teus olhos, auroras que não eram minhas.

Elas são as minhas dores, feitas botão;
as dores intensas que nas minhas entranhas
sepultam as suas raízes, qual fetos
nas húmidas fendas das montanhas.

Elas são os teus desdéns e censuras
ocultos nesta alma que já não alegras;
são, por isso, tão negras como as noites
dos gélidos polos, minhas flores negras.

Guarda, pois, este triste, débil ramo,
que te ofereço daquelas flores sombrias:
guarda-o, nada temas, é um despojo
do jardim das minhas fundas melancolias.




Julio Flórez
Colômbia, 1867-1923
in Um Pais Que Sonha - Cem anos de poesia colombiana
Editor: Assírio & Alvim
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Altino Caixeta de Castro: Deusa da Hileia

me aconchego ao teu corpo com recato
nas paisagens do sonho: e, nos começos
de teu perfil apenas amanheço
na quase plenitude do regato.

vou madrugando mais: o líquido espesso
apalpo, o teu fulgor: e, no meu tato
floresce o amor dos noitibós do mato,
nas pirogas do espanto embarco e desço,

tomba o Amazonas sobre mim: agora
o teu mistério a musa me enamora
por sobre as carnes que o dilúvio dorme,

e, então, deusa da Hileia, neste sopro:
ouço o marulho fundo de teu corpo
na pororoca da beleza enorme.






Altino Caixeta de Castro
Brasil, 1916-1996
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Dora Ferreira da Silva: Erótica

O seio da lua
aflora teu seio
desata-se o sangue em rio
de obscuros meandros
à beira de agapantos
cerram-se as pálpebras
sobre o desmaio das pupilas
eis que respiras no meu sono
e em ti desperto
enredada nas lianas da tua alma
na lisura das águas
a noite se mira.
Mordo meu desejo em teus cabelos.










Dora Ferreira da Silva
Brasil, 1918-2006
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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29 de maio de 2022

Pericles Eugênio da Silva Ramos: Propiciação



Por fim choveu,
e nas águas dissolveu-se a amargura das coisas.

Atenta, ó companheira
                    de beleza enlouquecida pelo sol,
dispensadora da recusa taciturna:
as árvores ainda não brotaram,
as sementes do solo não germinam.
Ah! é preciso propiciar a terra,
para que as ervas rebentem e haja flores.
Escuta: praticaremos hoje mesmo o rito mágico,
e em teu ventre mais branco do que a lua ou do que o gesso
acordaremos o mistério da fecundação.

Teus seios permanecem neutros como as penhas de granito;
teu dorso é como as glebas sem consolo,
onde os fantasmas vegetais se estorcem lamentosos:
teu corpo é como a árvore sem frutos.

Ouve porém:
quando os raios de sol atravessarem ramos florescidos,
talhando estátuas de luz,
entre elas nascerá teu filho,
sobre as relvas odorantes:
e as pétalas receberão as abelhas,
e os frutos estarão maduros para o bico dos pássaros.

Unamo-nos sobre o solo,
para que a terra inveje nosso amor
e lhe venha o desejo das florações divinas,
sombreadas pelas nuvens sem tosquia:
em teu busto errarão minhas mãos,
generosas como a chuva.

Olha! já o louro ventre da manhã
começa a refletir-se pelas fontes:
e em teu regaço delicioso como as plumas,
neste aconchego saboroso como a noite e imenso como o sono,

esperarei até que a terra propiciada reverdeça.



Pericles Eugênio da Silva Ramos
Brasil, 1919-1992
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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José Asunción Silva: Nocturno

 

       Uma noite,
uma noite toda cheia de perfumes, de murmúrios e de músicas de asas,
       uma noite
em que ardiam na sombra nupcial e húmida, pirilampos fantásticos,
ao meu lado, lentamente, a mim toda cingida,
       muda e pálida
como se um pressentimento de amarguras infinitas,
até ao fundo mais secreto das tuas fibras te agitasse,
pelo atalho que atravessa a campina em flor
       caminhavas
       e a lua cheia
pelos céus azúleos, infinitos e profundos espargia a sua luz branca,
       e a tua sombra
       fina e lânguida,
       e a minha sombra
pelos raios da lua projectadas,
sobre as areias tristes
da vereda se juntavam
       e eram uma
       e eram uma
E eram uma única longa sombra!
E eram uma única longa sombra!
E eram uma única longa sombra!
       Esta noite 
       sozinho, a alma
cheia das infinitas amarguras e agonias da tua morte, 
separado de ti mesma, pela sombra, pelo tempo e a distância,
       pelo infinito negro,
       que a nossa voz não alcança,
       só e mudo
       pelo atalho caminhava,
e ouvia-se o ladrar dos cães à lua,
       à lua pálida,
       e o coaxar
       das rãs...
Tive frio, era o frio que sentiam no quarto
as tuas faces e a tua testa e as tuas mãos adoradas,
       entre as brancuras níveas
       das brancas mortalhas!
Era o frio do sepulcro, era o frio da morte,
       era o frio do nada...
       e a minha sombra
pelos raios da lua projectada.
       ia sozinha,
       ia sozinha,
ia sozinha pela estepe solitária!
       e a tua sombra esbelta e ágil
       fina e lânguida,
como nessa noite morna da morta primavera,
como nessa noite cheia de perfumes, de murmúrios e de músicas de asas,
       abeirou-se e caminhou com ela,
       abeirou-se e caminhou com ela,
abeirou-se e caminhou com ela... Oh as sombras enlaçadas!
Oh as sombras que se procuram e se juntam nas noites de negruras e de lágrimas!




José Asunción Silva
Colômbia, 1865-1896
in UM PAÍS QUE SONHA - Cem anos de poesia colombiana
Editor: Assírio & Alvim
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28 de maio de 2022

Millôr Fernandes: Poeminha de louvor ao strip-tease secular

 

Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;
Mas foi na praia!

A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!

As fazendas
Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:
Quase nuas.
E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno
Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
uns aninhos de vida!



Millôr Fernandes
Brasil, 1923-2012
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Dalton Trevisan: Cantares de Sulamita

 

Cantar I

Se você não me agarrar todinha
aqui agora mesmo
só me resta morrer

se não abrir minha blusa
violento e carinhoso
me sugar i biquinho dos seios
por certo hei de morrer

estou certa perdidamente certa
se não me der uns bofetões estalados
não morder meus lábios
não me xingar de puta
já hei de morrer

bata morda xingue por favor
morrerei querido morrerei
se você não deslizar a mão direita
sob a minha calcinha
murmurando gentilmente palavras porcas
sem dúvida hei de morrer

também certa a minha morte
se você não acariciar o meu púbis de Vênus
com o terceiro quirodátilo
já caio morta de costas
defuntinha
toda morta de morte matada

morrerei gemendo chorando se você titilar
a pérola na concha bivalve
morrerei na fogueira aos gritos
se não o fizer

amado meu escuta
se você não me ninar com cafuné
me fungar no cangote
mordiscar as bochechas da nalga
me lamber o mindinho do pé esquerdo
juro que hei de morrer
certo é o meu fim

te peço te suplico
meu macho meu rei meu cafetão
eu faço tudo o que você mandar
até o que a putinha de rua tem vergonha

eu fico toda nua
de joelho descabelada na tua cama
eu fico bem rampeira
ao gazeio da tua flauta de mel
eu fico toda louca
aos golpes certeiros do teu ferrão de fogo
ereto duro mortal

ó meu santinho meu puto meu bem-querido
se você não me estuprar
agora agorinha mesmo
sem falta hei de morrer

se não me currar
em todas as posições indecentes
desde o cabelo até a unha do pé
taradão como só você
é certo que faleci me finei
todinha morta

se não me crucificar
entre beijos orgasmos tabefes
só me cabe morrer
minha morte é fatal
de sete mortes morrida
mortinha de amor é Sulamita

Cantar 2

Ó não amado meu
moça honesta já não sou
e como poderia
se você me corrompeu até os ossos
ao deslizar a mão sob a minha calcinha
acariciou a secreta penugem arrepiada?

como seria honesta
se você me deitou nos teus braços
abriu cada botão da blusa
sussurrando putinha no ouvido esquerdo?

se pousou delicadamente sem pressa
a ponta dos dedos nos meus mamilos
até que ficassem duros altaneiros
apontando em riste só para você?

maneira não há de ser moça direita
depois de ter as bochechas da nalga
mordidas por teu canino afiado
que gravou em brasa para sempre
com este sinal sou tua

não nenhum resto de pureza
assim que descerrou os meus lábios
dardejando a tua língua poderosa
na minha enroscada em nó cego

como ser mocinha séria
depois de beijar todinho o teu corpo
com medo com gosto com vontade
de joelho descabelada mão posta
à sombra do cedro colosso do Líbano
mil escudos e troféus pendurados

é possível ser moça de família
se me sinto a rosa de Sarom
orvalhada da manhã
com um só toque do teu terceiro quirodátilo?

Ai precioso amado querido
meu corpo tem memória e febre
meu puto me abrace me beije
sirva-se tire sangue me rasgue inteira
satisfaça a tua e a minha fome
finca o teu pendão estrelado
onde ele deve estar

oh não meu príncipe senhor da guerra
mocinha séria já não sou
me boline devagarinho
no uniforme de gala da normalista
atenção às luvas brancas de renda
me derrube na tua cama
de lado supina de bruços

me desnude diante do espelho
me arrume de pé dentro do armário
me ponha de quatro
me faça de carneirinha viciosa do bruto pastor
me violente sem dó com firmeza
só isso mais nada

sim bem-querido meu
sou putinha feita pra te servir
me abuse desfrute se refocile

quero sim apanhar de chicotinho
obedecer a ordens safadas
submissa a todos os teus caprichos
taras perversões fantasias
quais são? como são? onde são?

me diga como posso ir à igreja
de véu no rosto Bíblia na mão
se você afastou com dois dedos firmes e doces
o mar vermelho entre as minhas pernas
expondo à vista ao ataque frontal
meu corpinho ansioso e assustado
me estuprou me currou me crucificou?

quando separou os joelhos
abrindo as minhas coxas
um querubim fogoso
de delícias me cobriu
com sua terceira asa de sarça ardente

como ser moça ingênua
se antes sou uma grande vadia
o teu exército com fanfarras desfilando
na minha cidadela arrombada?

ai quero te dar até o que não tenho
amado meu santuário meu
quero ser a tua cadelinha mais gostosa
como nunca terá igual
serei vagabunda eu juro
todas as posições diferentes
todos os gemidos gritos palavrões
todas as preces atendidas

desfaleço de desejo por você só você
montar o teu corpo cândido e rubicundo
é galopar no céu
entre corcéis empinados relinchantes

vem ó princesa minha
depressa vem ó doce putinha
aos gritos fortes do rei que batem à porta
o meu coração se move
salta de um a outro lado do peito
já se derretem as minhas entranhas
o rosto do amor floresce nesse copo d'água

eu sou tua você é meu
por você inteirinha me perco
quem fez de mim o que sou?

sim amado meu
sou virgem princesa concubina
égua troteadora no carro do Faraó
vento norte água viva
sou rameira tua rampeira Sulamita
lírio-do-vale pomba branca
morrendinha de tanto bem querer
até que sejamos um só corpo
um só amor
um só




Dalton Trevisan
Brasil, 1925
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Rupi Kaur: O sexo é uma forma de...

 

O sexo é uma forma de as pessoas
transcenderem umas nas outras
e de se dissolverem
é uma expressão terrena maravilhosa
mas para mim
o sexo foi a minha adolescência
arrastada para a morte
ele dizia
que íamos brincar
e depois fechava sempre a porta
e escolhia sempre o jogo
quando eu lhe dizia para parar
ele respondia que eu estava a pedi-las
mas que sabia eu
de orgasmos involuntários
agência
e consentimento
quando tinha 7, 8, 9, 10, anos.




Rupi Kaur
Índia, 1992
in corpo casa
Editor: Lua de Papel
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Max Martins: O amor ardendo em mel


Morder! morder
o hímen adocicado
-- frémito de lâmina
entre duas coxas
do polo ao pólen.
E o apolo laminar morder
Morder os bicos dos figos
antes que murchos
antes dos dentes
sempre morder
e jamais sugar
da lua a sua ferrugem.
Morder somente a sua semente
antes de agora
antes da aurora
morder
e arder em mel
o amor.




Max Martins
Brasil, 1926-2009
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Ferreira Gullar: Coito

 
Todos os movimentos
         do amor
         são noturnos
mesmo quando praticados 
          à luz do dia

Vem de ti o sinal
       no cheiro ou no tato
que faz acordar o bicho
        em seu fosso:
        na treva, lento,
        se desenrola
           e desliza
em direção a teu sorriso

Hipnotiza-te
com seu guizo
envolve-te
em seus anéis
corredios
beija-te
a boca em flor
e por baixo
com seu esporão
te fende te fode

e se fundem
no gozo
depois
desenfia-se de ti
a teu lado 
na cama
recupero minha forma usual



Ferreira Gullar 
Brasil, 1930-2016
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Hilda Hilst: Porque há desejo em mim...

 

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura,
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. e que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.



Hilda Hilst
Brasil, 1930-2004
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Walmir Ayala: Paraíso onde as vulvas "Inflamadas"

 

Paraíso onde as vulvas inflamadas
ondulam como dunas semoventes,
e mais parecem vivas e gementes
quanto mais ao prazer subjugadas.

E onde deslizam línguas quais serpentes
cumprindo delirantes emboscadas;
onde as conchas, com o sal das madrugadas,
velam no abismo as ostras inocentes.

Ordens que são do amor guerra perfeita,
e que se cumprem sem qualquer resquício
de prejuízo em campo onde se deita.

Campo que é corpo, fim que está no início,
cimento escuso de uma luz desfeita,
virtude que cintila de ser vício.



Walmir Ayala
Brasil, 1933-1991
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Adélia Prado: Dia

 

As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
-- ia dizer imoral --
as barbelas e as cristas envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.




Adélia Prado
Brasil, 1935
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Adélia Prado: Lembrança de maio

 

Meu coração bate desamparado
onde as minhas pernas se juntam.
É tão bom existir!
Seivas, vergônteas, virgens,
tépidos músculos
que sob as roupas rebelam-se.
No topo do altar ornado
com flores de papel e cetim
aspiro, vertigem de altura e gozo,
a poeira nas rosas, o afrodisíaco
incensado ar de velas.
A santa sobre os abismos --
à voz do padre abrasada
eu nada objeto,
lírica e poderosa.







Adélia Prado
Brasil, 1935
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Roberto Piva: Teu cu fora da lei...

 

teu cu fora da lei
teu pau enfurecido
alegria de anjo
nas estradas
do prazer
língua dos espíritos índios
cogumelos profetizando
anarquia & delírio
boca no meu pé
boca no meu saco
poesia é desatino
abrindo a Noite
no excesso do Dia




Roberto Piva
Brasil, 1937-2010
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Sebastião Nunes: Erótica batalha

 

Tua latejante buceta palpitante.
Meu amargo cacete perfilado.
Ovos batem continência à beira do saco.
Como um guerreiro de merda
o eu recua ante a dura ofensiva.
Grandes e pequenos lábios
batem palmas e riem.
Meu cacete é a bandeira nacional.
A guerra é santa e eu avanço.



Sebastião Nunes
Brasil, 1938
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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27 de maio de 2022

Rubens Rodrigues Torres Filho: Que impede o lado de dentro?

 

Teu seio, o fundo de tua vagina,
regiões aprazíveis onde o musgo
pede licença para espreguiçar-se. Ali
o desejo quer fazer seu ninho,
como se algum espaço fosse côncavo, como se estar
já não fosse convexo
e negar pouso a todo e qualquer cansaço.


Ruben Rodrigues Torres Filho
Brasil, 1942
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Waly Salomão: Exterior

 


Por que a poesia tem de se confinar
às paredes de dentro da vulva do poema?
Por que proibir à poesia
estourar os limites do grelo
                               da greta
                               da gruta
e se espraiar em pleno grude
                       além da grade
do sol nascido quadrado?

Por que a poesia tem que se sustentar
de pé, cartesiana milícia enfileirada,
obediente filha da pauta?

Por que a poesia não pode ficar de quatro
e se agachar e se esgueirar
para gozar
-- CARPE DIEM! --
fora da zona da página?

Por que a poesia de rabo preso
sem poder se operar
e, operada,
       polimórfica e perversa,
não poder travestir-se
com os clitóris e os balangandãs da lira?



Waly Salomão
Brasil, 1943-2003
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor Tinta da China
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25 de maio de 2022

Waly Salomão, Cátedra de Literatura Comparada

 


E como eu palmilhasse tesudamente
(sento-lhe a vara e a chula língua afiada,
salpico-lhe saliva, baba, porra)
     a estrada, pedregosa, do mamilo
     e, pentelhuda, do monte de Vênus...



Waly Salomão
Brasil, 1943-2003
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Cacaso, Busto renascentista

 



quem vê minha namorada vestida
nem de longe imagina o corpo que ela tem
sua barriga é a praça onde guerreiros se reconciliam
delicadamente seus seios narram façanhas inenarráveis
em versos como estes e quem 
diria ser possuidora de tão belas omoplatas?
feliz de mim que frequento amiúde e quando posso a buceta dela.


Cacaso
Brasil, 1944-1987
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Maria Lúcia dal Farra, A manga



Ela está sobre a mesa -
nua
e fechada em si
como uma urna.
O elegante perfil convoca outras formas
para torná-la única:
pera, pêssego, abricô - o coração, afinal,
de onde irrigam a candura
e o aceno para afagá-la com duas mãos.

De modo que a boca quase treme
(hesitante entre beijá-la e mordê-la)
quando dela se achega
sem saber se se entrega ao domínio do cheiro
o à volúpia de lambê-la -
mesmo antes de (com unhas)
fender-lhe a pele vermelho-verde.

Ah, sulcar a carne macia com o arado dos dentes
deixando que nele se enrosquem os cabelos
que a fruta
(aflita)
não pode conter diante do torvelinho dos sentidos -
do cataclismo que o desejo encena
no afã de conhecer-lhe o rosto!

Sôfrego, salivo abocanhando a polpa
(esse manancial de sucos que me lambuza,
espirra, goteja e baba)
que chupo exaurindo a fonte dos deleites
dessa mulher que
por fim consentiu
(pudica e fogosa)
de a mim se entregar.


Maria Lúcia dal Farra
Brasil, 1944
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Paulo Leminski, Sossegue coração



 sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora

calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa


Paulo Leminski
Brasil, 1944-1989
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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Antonio Cicero, Esse amante

 















Não é exatamente que esse amante
pretenda confundir-se com a amada;
o que acontece é que, no mesmo instante
em que, lúcido e lúbrico, prepara,
com circunspecto engenho e arte, a entrega
da mulher, ele saboreia o gesto,
gemido ou tremor que observa, e interpreta
cada sinal de volúpia nos termos
da sua própria carne. Discernir-se
dela, ao olhá-la, e achá-la em si são lados
reversos da mesma moeda. Ei-lo
que, com o fim dos seus anseios nos seios
das suas mãos, vê-se compenetrado
e entregue a um gozo que quiçá se finge.


Antonio Cicero
Brasil, 1945
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
photo by Google

13 de maio de 2022

Alberto de Oliveira, O sonho de Berta




Soltando o cabelo de ouro
Ao deitar-se, ondeante e farto,
Viu Berta lhe entrar no quarto
Um besouro.

- Já agora, exclamara ela,
Não me levanto, é capricho,
Para mostrar a este bicho
A janela;

Nem da toalha um açoite
Farei contra este besouro;
E sem mais, senhor agouro,
Boa noite!

Despiu-se. Cândida e lisa,
Quente inda de sua pele,
Tirou mesmo diante dele
A camisa.



Deitou-se. É um mimo de Berta
O corpo, que a vista inflama,
Assim como está na cama.
Descoberta.

Cerra os olhos. Entretanto,
O besouro, tonto, inquieto,
Zumbe da alcova no teto
Zumbe a um canto.

Ao pé do espelho inclinado
Zumbe, zumbe na parede,
E de Berta agora, vede,
Zumbe ao lado.

Ai dela! - Noite sombria,
As tardas horas apressa!
A luz da aurora apareça!
Venha o dia!

Esta, volta-se ofegante
Berta insone, a cada instante,
De assustada

Pobre Berta! enfim sucumbe,
Desmaia...Entretanto, às voltas,
O besouro de asas soltas
Zumbe, zumbe...


II

O que Berta no seu sonho
Viu, ainda hoje, se o refere,
Negro horror à alma sugere,
De medonho.

Viu nos Braços, feio e rudo,
Tomá-la a que em vão se escapa,
Um vulto, de negra capa
De veludo.

E ao passo que a prende e a aperta
Contra o peito, lhe ouve: - Agora
Eis-te, enfim, com quem te adora,
Minha Berta!

E colar-lhe ao seio, abjetos,
Viu-lhe os bigodes compridos,
Muito duros, parecidos
Com uns espetos

Ao pé deles, que afastava
Com as mãos ambas, como louca,
Um buraco feito boca
Resmungava.

Quis gritar, quis pela santa
Chamar a quem sempre reza;
Mas a voz ficou-lhe presa
Na garganta;

Quis fugir... Um movimento
Ao lasso corpo cativo
Imprimiu, rápido, vivo,
Num movimento...


Acordou. Clara e modesta,
Brilhava na alcova linda
Uma réstea de luz vinda
De uma fresta.

E erguendo-se, em vago anseio,
Achou Berta, espavorida,
Um besouro, já sem vida,
junto ao seio.



Alberto de Oliveira
Brasil, 1857-1937
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
photo by Google

Castro Alves, Boa Noite



Boa Noite

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora,
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa noite Maria, É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes: - Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
- Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve... a calhandra
Já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
- Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derramo nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
«É noite ainda em teu cabelo preto...»

É noite ainda! Brilha na cambraia
- Desmanchado o roupão, a espádua nua - 
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
- São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doido afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!...É noite ainda
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
- Boa noite! - formosa Consuelo!...


Castro Alves
Brasil (Bahia) 1847-1871
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Lua de Papel
photo by Google

12 de maio de 2022

Rupi Kaur, a maior parte da minha vida


a maior parte da minha vida passei-a
contigo, nós as duas a tocarmo-nos
pele com pele
as nossas noites juntas
e às vezes dias
pegaste em mim quando os meus membros se recusaram a fazê-lo
quando estava tão doente que não me conseguia mexer
nunca te cansaste do meu peso
nem uma só vez te queixaste 
foste testemunha de todos os meus sonhos
do meu sexo
da minha escrita
do meu choro
todos os atos vulneráveis da minha vida
foi contigo
as duas a rir à gargalhada
e quando louca por confiar num louco
fiz amor em cima de ti
deixei-te por uns dias só
para voltar de mãos vazias
sempre me recebeste
quando o sono me abandonava
ficávamos acordadas juntas
tu és o aconchego da minha vida
o meu altar
confessional
menina tornei-me mulher em cima de ti
e no final
serás tu - velha amiga
que me entregarás à morte bem descansada

- não há lugar mais intimo do que uma cama


Rupi Kaur
Índia, 1992
in corpo casa
Editor: Lua de Papel
photo by Google

Rupi Kaur, os homens como ele...


às vezes
amo-te significa
que quero amar-te

às vezes
amo-te significa
fico mais um bocado

às vezes
amo-te significa
não sei ir-me embora

às vezes
amo-te significa
não tenho mais para onde ir


Rupi Kaur
Índia, 1992
in corpo casa
Editor: Lua de Papel
photo by Google

 

Rupi Kaur, de cada vez que te...

 


de cada vez que te mostrava um pedaço do céu
era um aviso
cada passeio que dávamos
pelo jardim da minha vida
todas as flores que floriam para ti
os pavões que cantavam o teu nome
eram um sinal
contudo
depois de veres toda a magia
bateste com a cabeça e perdeste-a
saíste e dispersaste-te pela cidade
a pensar que se tinhas a sorte de me ter experimentado
conseguirias pôr as mãos em coisa melhor
mas tudo tinha a cor do tédio em comparação
agora voltaste
corpo derramado pelo chão fora
a implorar
que eu te esmague com as minhas coxas
que te puxe para as minhas ancas
que te leve ao céu com a minha cona
comigo tiveste a maior viagem da tua vida
comigo tiveste visões
de cada vez que te mostrava um pedaço do céu
cada passeio que demos no jardim da minha vida
todas as flores que se abriam para ti
os pavões que cantavam o teu nome
eram um sinal de tudo o que perderias
se me traísses

- consequências



Rupi Kaur
Índia, 1992
in corpo casa
Editor: Lua de Papel
photo by Google