Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

25 de maio de 2022

Maria Lúcia dal Farra, A manga



Ela está sobre a mesa -
nua
e fechada em si
como uma urna.
O elegante perfil convoca outras formas
para torná-la única:
pera, pêssego, abricô - o coração, afinal,
de onde irrigam a candura
e o aceno para afagá-la com duas mãos.

De modo que a boca quase treme
(hesitante entre beijá-la e mordê-la)
quando dela se achega
sem saber se se entrega ao domínio do cheiro
o à volúpia de lambê-la -
mesmo antes de (com unhas)
fender-lhe a pele vermelho-verde.

Ah, sulcar a carne macia com o arado dos dentes
deixando que nele se enrosquem os cabelos
que a fruta
(aflita)
não pode conter diante do torvelinho dos sentidos -
do cataclismo que o desejo encena
no afã de conhecer-lhe o rosto!

Sôfrego, salivo abocanhando a polpa
(esse manancial de sucos que me lambuza,
espirra, goteja e baba)
que chupo exaurindo a fonte dos deleites
dessa mulher que
por fim consentiu
(pudica e fogosa)
de a mim se entregar.


Maria Lúcia dal Farra
Brasil, 1944
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
photo by Google




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