Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

13 de maio de 2022

Alberto de Oliveira, O sonho de Berta




Soltando o cabelo de ouro
Ao deitar-se, ondeante e farto,
Viu Berta lhe entrar no quarto
Um besouro.

- Já agora, exclamara ela,
Não me levanto, é capricho,
Para mostrar a este bicho
A janela;

Nem da toalha um açoite
Farei contra este besouro;
E sem mais, senhor agouro,
Boa noite!

Despiu-se. Cândida e lisa,
Quente inda de sua pele,
Tirou mesmo diante dele
A camisa.



Deitou-se. É um mimo de Berta
O corpo, que a vista inflama,
Assim como está na cama.
Descoberta.

Cerra os olhos. Entretanto,
O besouro, tonto, inquieto,
Zumbe da alcova no teto
Zumbe a um canto.

Ao pé do espelho inclinado
Zumbe, zumbe na parede,
E de Berta agora, vede,
Zumbe ao lado.

Ai dela! - Noite sombria,
As tardas horas apressa!
A luz da aurora apareça!
Venha o dia!

Esta, volta-se ofegante
Berta insone, a cada instante,
De assustada

Pobre Berta! enfim sucumbe,
Desmaia...Entretanto, às voltas,
O besouro de asas soltas
Zumbe, zumbe...


II

O que Berta no seu sonho
Viu, ainda hoje, se o refere,
Negro horror à alma sugere,
De medonho.

Viu nos Braços, feio e rudo,
Tomá-la a que em vão se escapa,
Um vulto, de negra capa
De veludo.

E ao passo que a prende e a aperta
Contra o peito, lhe ouve: - Agora
Eis-te, enfim, com quem te adora,
Minha Berta!

E colar-lhe ao seio, abjetos,
Viu-lhe os bigodes compridos,
Muito duros, parecidos
Com uns espetos

Ao pé deles, que afastava
Com as mãos ambas, como louca,
Um buraco feito boca
Resmungava.

Quis gritar, quis pela santa
Chamar a quem sempre reza;
Mas a voz ficou-lhe presa
Na garganta;

Quis fugir... Um movimento
Ao lasso corpo cativo
Imprimiu, rápido, vivo,
Num movimento...


Acordou. Clara e modesta,
Brilhava na alcova linda
Uma réstea de luz vinda
De uma fresta.

E erguendo-se, em vago anseio,
Achou Berta, espavorida,
Um besouro, já sem vida,
junto ao seio.



Alberto de Oliveira
Brasil, 1857-1937
in Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Editor: Tinta da China
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