Deixa-me respirar
longamente, longamente, o aroma dos teus cabelos,
neles mergulhar todo o
meu rosto, como um homem sedento na água de
uma nascente, e
agitá-los na minha mão como um lenço aromático, para
sacudir recordações no
ar.
Se pudesses saber tudo aquilo que
vejo! tudo aquilo que eu sinto!
tudo aquilo que ouço
nos teus cabelos! A minha alma viaja por sobre o
perfume como a alma dos
outros homens sobre a música.
Os teus cabelos levam um sonho
inteiro, cheio de velames e de mastreações;
levam grandes mares de
monções que me transportam para encantadores climas,
onde o espaço é mais
azul e mais profundo, de atmosfera perfumada pelos frutos,
pelas folhas e pela
pele humana.
No oceano da tua cabeleira avisto um
porto irrompendo em cantos
melancólicos, homens vigorosos de todas as
nações e navios de todos os
formatos recortando
arquiteturas finas e complicadas num céu imenso em
que preguiça o eterno
calor.
Nas carícias da tua
cabeleira reencontro as demoras das longas horas
passadas num divã, no
quarto de um belo navio, embaladas pelo rolar
imperceptível do porto,
entre os vasos de flores e os cântaros refrescantes.
No lar ardente da tua cabeleira,
respiro o aroma do tabaco mesclado
em ópio e açúcar; na
noite da tua cabeleira vejo resplandecer o infinito do
horizonte tropical; nas
margens sedosas da tua cabeleira embriago-me com
os aromas misturados do
almíscar, do alcatrão e do óleo de coco.
Deixa-me morder demoradamente as tuas
tranças pesadas e negras.
Quando mordisco teus
cabelos elásticos e rebeldes, julgo estar a
mastigar recordações.
Charles Baudelaire
França, Paris 1861-1867
Trad. Filipe Jarro
in Rosa do Mundo – 2001
poemas para o futuro
Editor: Assirio &
Alvim
photo by Google
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