Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

9 de junho de 2012

Adoramos a perfeição porque não... : Fernando Pessoa



287.
          Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos, se
a tivessemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
          O ódio surdo ao paraíso - o desejo como o da pobre infeliz de [ que ]
houvesse campo no céu. Sim, não são os êxtases do abstracto, nem as mara-
vilhas do absoluto, que podem encantar uma alma que sente: são os lares e
as encostas dos montes, as ilhas verdes nos mares azuis, os caminhos através
de árvores e as longas horas de repouso nas quintas ancestrais, ainda que as
nunca tenhamos. Se não houver terra no céu mais vale não haver céu. Seja
então tudo o nada, e acabe o romance que não tinha enredo.
          Para poder obter a perfeição, fora precisa uma frieza de fora do homem;
e não haveria então coração de homem com que amar a própria perfeição.
          Pasmamos, adorando,da tenção para o o perfeito dos grandes artistas.
Amamos a sua aproximação do perfeito, porém amamos porque é só
aproximação.

Fernando Pessoa                                                            
(Portugal 1888-1935)                                                   
 in Livro do Desassossego de Bernardo Soares

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