287.
Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugná-la-íamos, se
a tivessemos. O perfeito é o desumano, porque o humano é imperfeito.
O ódio surdo ao paraíso - o desejo como o da pobre infeliz de [ que ]
houvesse campo no céu. Sim, não são os êxtases do abstracto, nem as mara-
vilhas do absoluto, que podem encantar uma alma que sente: são os lares e
as encostas dos montes, as ilhas verdes nos mares azuis, os caminhos através
de árvores e as longas horas de repouso nas quintas ancestrais, ainda que as
nunca tenhamos. Se não houver terra no céu mais vale não haver céu. Seja
então tudo o nada, e acabe o romance que não tinha enredo.
Para poder obter a perfeição, fora precisa uma frieza de fora do homem;
e não haveria então coração de homem com que amar a própria perfeição.
Pasmamos, adorando,da tenção para o o perfeito dos grandes artistas.
Amamos a sua aproximação do perfeito, porém amamos porque é só
aproximação.
Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
in Livro do Desassossego de Bernardo Soares
in Livro do Desassossego de Bernardo Soares
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