corpo
envolto por uma linha azul, espessa areia fulva em toda a extensão
da
folha de papel nervuras brancas, textura das tintas, risco de lápis
outro
corpo na penumbra do olho em pêlos erectos
as
marés movem-se na polpa de um sexo, águas avermelhadas reflectem
o
fruto incendiado
(eu
sei, a verticalidade é a tua posição, mesmo durante o sonho)
mais
amarelo vestindo corpos inacabados
um
dentro do outro, prolongam-se para além de ti, na luz quase
comestível
do amanhecer
afastados
um do outro continuam a tocar-se através dum objecto, coisa viva
sem
nome ainda
o
lápis percorre a folha, num traço surgem os lábios de molusco, concha
aberta
no crepúsculo da praia
lábios,
boca, dedos alastrando, gesto agitado, flor áspera, mão abrindo-se em pétala
cabelos
emaranhados noutros cabelos, linha sulcando o rosto, o peito, a púbis
felpuda
que se estende até ao horizonte do mar
noutro
espaço, para lá dos corpos, minúsculos pássaros aquáticos povoam a luz, hirtos,
estáticos. esperma, pérolas irrequietas, nervosas medusas, circulam à roda de
um astro
às
vezes apontas um detalhe, enches os brancos do papel
olho
tecido no aveludado da alucinação, granulado de sementes, macia pele na
lentidão
das maresias
cruzam-se
e enleiam-se as linhas
esbatem-se
cores, outro corpo de escamas ocupa o espaço
depois,
o rosto louco, nocturno, quase vegetal, põe-se a latejar
animal
cósmico à deriva pelo sangue, excremento vivo dalgum sonho
antigo,
como o voo dos pássaros migradores
sonho
oculto na noite das cidades, insónia e delírio, ele avança
corpo
translúcido, espelho que te reconhece
sonho
do silêncio, marés altas, superfícies povoadas, subitamente, por
um
insecto de ouro
uma
abelha escondida nos favos de subtis tonalidades sépia
animal
fabuloso que se desloca na seiva iluminada dos bosques
um
astro explode em mil outros animais, minuciosamente desenhados
inicias
a metamorfose, és aqueles animais dourados, aquele astro, aquela
árvore
perfurando a noite
caminhas
extenuado por entre corpos desfeitos no vento, quase líquidos
e
vem a noite que te queima, te inquieta, e continua
escorregam
silhuetas pelas húmidas pedras, acesas por dentro
vertiginosos
néons revelam a ave morta à entrada duma vulva de água
um
peixe de saliva cresce em cada corpo de orvalho, expande-se
...
há
dias em que o lápis te foge, resiste como um objecto estranho
persistes,
esboças o rosto de cera apercebido no espelho, no fundo
quieto
do rio
sorris
o
lápis volta a obedecer-te
no
rosto abrem-se olhos, flores, águas, cristais, lodos, geometrias, fogos,
animais sem nome
que
deixas à solta fora de teu corpo, em precária liberdade
Al
Berto
(Portugal
1948-1997)
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