Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

28 de julho de 2014

António Botto: A noite, como ela vinha


A noite
─ Como ela vinha!
Morna, suave,
Muito branca, aos tropeções,
Já sobre as coisas descia,
E eu nos teus braços deitado
Até sonhei que morria.

E via ─
Goivos e cravos aos molhos;
Um cristo crucificado;
Nos teus olhos,
Suavidade e frieza;
Damasco roxo poído,
Mãos equálidas rasgando
Os bordões de uma guitarra,
Penumbra, velas ardendo,
Incenso, oiro, ─ tristeza!...
E eu, devagar, morrendo…

O teu rosto moreninho
─ Tão formoso!
Mostrava-se mais sereno,
E, sem lágrimas, enxuto;
Só beijámo-nos doidamente…
─ Era dia!


E os nossos corpos unidos
Como corpos sem sentidos,
No chão rolaram, e assim ficaram!


António Botto
Portugal (Concavada, Abrantes) 1897
Brasil (Rio de Janeiro) 1959
in Canções e outros poemas
Editor: Edições  Quasi
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