Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

31 de maio de 2015

Guerra Junqueiro: Canção perdida

 
Hálitos de lilás, de violeta e d'opala,
Roxas macerações de dor e d'agonia,
O campo, anoitecendo e adormecendo, exala...

Triste, canta uma voz na síncope do dia:

    Alguém de mim se não lembra
    Nas terras d'além do mar...
    Ó Morte, dava-te a vida,
    Se tu lha fosses levar!...

    Ó Morte, dava-te a vida,
    Se tu lha fosses levar!...

Com o beijo do sol na face cadavérica,
Beijo que a morte esvai em palidez algente,
Eis a Lua a boiar sonâmbula e quimérica...


 Doce canta uma voz melancolicamente:


    O meu amor escondi-o
    Numa cova ao pé do mar...
    Morre o amor, vive a saudade...
    Morre o sol, olha o luar!...

    Morre o amor, vive a saudade...
    Morre o Sol, olha o luar!...

Latescente a neblina opálica flutua,
Diluindo, evaporando os montes de granito
Em colossos de sonho, extasiados de Lua...


Flébil, chora uma voz no letargo infinito:

    Quem dá ais, ó rouxinol,
    Lá para as bandas do mar?...
    É o meu amor que na cova
    Leva as noites a chorar!...

    A Lua enorme, a Lua argêntea, a Lua calma,
    Imponderalizou a natureza inteira,
    Descondensou-a em fluido e embebeceu-a em alma...

Triste expira uma voz na canção derradeira:

    Ó meu amor, dorme, dorme
    Na areia fina do mar,
    Que em antes da estrela d'alva
    Contigo me irei deitar!...

  
    Que em antes da estrela d'alva
    Contigo me irei deitar!...

Guerra Junqueiro
Portugal 1850-1923
in Os Simples
Editor: Lello Editores
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