Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!...
Foi há vinte?... Há trinta?... Nem eu sei já quando!...
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para me eu lembrar!...
Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...
Só achei enganos, decepções, pesar...
Oh, a ingénua alma tão desiludida!...
Minha velha ama, com a voz dorida.
Canta-me cantigas de me adormentar!...
Trago de amargura o coração desfeito...
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!...
Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias d’astros, gemas de luar...
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...
Minha velha ama, sou um pobrezinho...
Canta-me cantigas de fazer chorar!...
Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!...), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...
Canta-me cantigas manso, muito manso...
Tristes, muito tristes, como à noite o mar...
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minh’alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve, me vier buscar!
Guerra Junqueiro
Portugal, Freixo de Espada à Cinta 1850 - Lisboa 1923
Trad. Cecília Rego Pinheiro
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Editor: Assirio & Alvim
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