Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

28 de novembro de 2015

António Feijó: Princesa Encantada


























Formosa Princesa dormia há cem anos;
 Dormia ou sonhava... Ninguém o sabia.
 Passavam-se os dias, passavam-se os anos,
 E a linda Princesa dormia, dormia,
     Dormia há cem anos!

 Em torno, sentadas, dormiam as Damas,
 Cobertas de joias, cobertas de lhamas;

 Com formas e aspectos de finas imagens,
 Esbeltos e loiros, dormiam os pajens.

 E ás portas de bronze, por terra alabardas,
 Num sono profundo dormiam os guardas.

 Lá fora, na sombra dos parques discretos,
 Nem aves gorjeiam, nem zumbem insectos.

 As arvores sonham, na sombra dos poentes,
 Imóveis, à beira dos lagos dormentes.

 E as fontes que d'antes sonoras gemiam,
 Sonâmbulas mudas, apenas corriam...

 Um dia, de longe, de terras distantes,
 Com pajens, arautos, donzéis, passavantes,

 Bandeiras ao vento, clarins, atabales,
 Ecoando a distancia por montes e vales,

 --Um príncipe, herdeiro d'um trono potente,
 Com olhos suaves d'aurora nascente,

 Excelso e formoso, magnânimo e moço,
--Correndo aventuras, num grande alvoroço,

 Chegou ao Castelo, que ha tanto dormia,
 Como uma alvorada, prenuncia do dia...

 E ao ver a princesa, sentada em seu trono,
 Naquele profundo, extático sono,

 Tomado d'estranha, indizível surpresa,
 Na boca entreaberta da linda Princesa,

 Tremendo e sorrindo, seu lábio colou-se
 N'um beijo, que ao lábio a alma lhe trouxe.

 Acorda a Princesa; despertam as Damas,
 As faces ardentes, os olhos em chamas.

 Despertam os Pajens, nos seus escabelos,
 Com halos de fogo nos loiros cabelos.

 Acordam os guardas; e, tudo desperto,
 A vida renasce no parque deserto.

 Suspiram as fontes; gorjeiam as aves,
 Das áleas profundas nas sombras suaves.

 As arvores tremem, no ar transparente,
 Á brisa que sopra, como hálito ardente.

 Nas torres, os sinos repicam de festa;
 O povo em coreias enchia a floresta...

 E a linda Princesa, seus olhos fitando
 No Príncipe excelso, sorrindo e corando,

--« Sonhava contigo...» Porque é que tardaste?
 Mas já nesse instante, formando contraste,

 Quando isto dizia, erguendo-se a medo,
 A voz parecia trair o segredo

 De quem, num relance, talvez lamentasse
 Que sonho tão lindo tão cedo acabasse!...

 A linda Princesa sonhava há cem anos,
 E fora do Sonho só há desenganos...



António Feijó
Portugal, Ponte de Lima 1859 – Suécia, Estocolmo 1917
in “ Sol de Inverno “ seguido de vinte poesias inéditas
Introd. Álvaro Manuel Machado
Editor: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
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