Formosa Princesa dormia há cem anos;
Dormia ou sonhava... Ninguém o
sabia.
Passavam-se os dias, passavam-se
os anos,
E a linda Princesa dormia,
dormia,
Dormia há cem anos!
Em torno, sentadas, dormiam as
Damas,
Cobertas de joias, cobertas de
lhamas;
Com formas e aspectos de finas
imagens,
Esbeltos e loiros, dormiam os pajens.
E ás portas de bronze, por terra alabardas,
Num sono profundo dormiam os
guardas.
Lá fora, na sombra dos parques
discretos,
Nem aves gorjeiam, nem zumbem
insectos.
As arvores sonham, na sombra dos
poentes,
Imóveis, à beira dos lagos
dormentes.
E as fontes que d'antes sonoras
gemiam,
Sonâmbulas mudas, apenas
corriam...
Um dia, de longe, de terras
distantes,
Com pajens, arautos, donzéis,
passavantes,
Bandeiras ao vento, clarins,
atabales,
Ecoando a distancia por montes e
vales,
--Um príncipe, herdeiro d'um
trono potente,
Com olhos suaves d'aurora
nascente,
Excelso e formoso, magnânimo e
moço,
--Correndo aventuras, num grande alvoroço,
Chegou ao Castelo, que ha tanto
dormia,
Como uma alvorada, prenuncia do
dia...
E ao ver a princesa, sentada em
seu trono,
Naquele profundo, extático sono,
Tomado d'estranha, indizível
surpresa,
Na boca entreaberta da linda
Princesa,
Tremendo e sorrindo, seu lábio
colou-se
N'um beijo, que ao lábio a alma
lhe trouxe.
Acorda a Princesa; despertam as
Damas,
As faces ardentes, os olhos em
chamas.
Despertam os Pajens, nos seus
escabelos,
Com halos de fogo nos loiros
cabelos.
Acordam os guardas; e, tudo
desperto,
A vida renasce no parque deserto.
Suspiram as fontes; gorjeiam as
aves,
Das áleas profundas nas sombras
suaves.
As arvores tremem, no ar
transparente,
Á brisa que sopra, como hálito
ardente.
Nas torres, os sinos repicam de
festa;
O povo em coreias enchia a
floresta...
E a linda Princesa, seus olhos
fitando
No Príncipe excelso, sorrindo e
corando,
--« Sonhava contigo...» Porque é que tardaste?
Mas já nesse instante, formando
contraste,
Quando isto dizia, erguendo-se a
medo,
A voz parecia trair o segredo
De quem, num relance, talvez
lamentasse
Que sonho tão lindo tão cedo
acabasse!...
A linda Princesa sonhava há cem
anos,
E fora do Sonho só há
desenganos...
António Feijó
Portugal, Ponte de Lima 1859 – Suécia, Estocolmo 1917
in “ Sol de Inverno “ seguido de vinte poesias inéditas
Introd. Álvaro Manuel Machado
Editor: Imprensa Nacional-Casa da Moeda
photo by Google
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