Vi-te uma vez e (novo
Extranho caso foi!)
Por entre tanto povo...
Tanta mulher... Suppõe
Que mãe estremecida
Via o seu filho andar
Sobre muralha erguida,
Onde o fizesse ir dar
Aquelle remoinho,
Aquella inquietação
D'um pobre innocentinho
Ainda sem razão!
E ora estendendo os braços...
Ora apertando as mãos...
Vendo-lhe o gesto, os passos,
Quantos esforços vãos,
O triste na cimalha
Faz por voltar atraz...
Sem vêr como lhe valha!
A vêr o que elle faz!
Pallida, exhausta, muda,
Os olhos uns tições,
Com que, a tremer, lhe estuda
As mesmas pulsações...
(Porque não é mais fundo
O mar no equador,
Nem é todo este mundo
Maior do que esse amor!
Mais vasto, largo e extenso
Todo esse céo tambem
Do que o amor immenso
D'um coração de mãe!)
Assim, n'essa agonia...
N'essa intima avidez...
É que entre os mais te eu ia
Seguindo d'essa vez!
Porque te adoro!... a ponto,
Que ainda hoje, crê!
Escuto e oiço e conto
Os grãos de arêa até,
Que tu, mulher! andando
Fazias estalar
Já mesmo longe e... quando
Deixei de te avistar!
II
Os
olhos são
D'uma expressão!
Que
linda bôca!
O pé
nem toca,
De
leve, o chão!
Aquelle pé
De
leve até
Nem
se elle sente!
E
sente a gente
Não
sei o que é...
E a
graça, o ar,
D'aquelle a andar!
Que
véla passa
Com
tanta graça
Á
flôr do mar!
Os
olhos vêr
Um
só volver
De
olhar tão dôce,
Que
mais não fosse...
Era
morrer!
Os
dentes sãos
E
tão irmãos
E
tão luzentes!
Que
bellos dentes!
Que
lindas mãos!
III
Estrella, nuvem, ave,
Perfume, aragem, flôr!
Consola-me! distilla,
Da languida pupilla,
O balsamo suave
De um desditoso amor!
Estrella, nuvem, ave,
Perfume, aragem, flôr!
A flôr, de que és imagem,
A flôr, de que és irmã,
Sacia-se, e desata
O seu collar de prata
Aos beijos da aragem,
Aos risos da manhã!...
A flôr, de que és imagem,
A flôr, de que és irmã!
A perola que encerra
A flôr, é sua? Não.
O pranto que a amima,
Cahiu-lhe lá de cima
Para cahir na terra,
Para cahir no chão!
A perola que encerra
A flôr, é sua? Não!
Tu já mataste a sêde,
Mata-me a sêde a mim!
Se em nuvem piedosa
Te refrescaste, rosa!
Tambem em ti eu hei de
Refrigerar-me!... sim!
Tu já mataste a sêde,
Mata-me a sêde a mim!
É para que me orvalhes
Que te orvalhou o céo!
O liquido que veio
Aljofarar-te o seio
Bem é tambem que o espalhes
No chão... o chão sou eu!
É para que me orvalhes,
Que te orvalhou o céo!
João de Deus
Portugal 1830-1896
in 'Campo de Flores'
photo by Google
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