Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

18 de janeiro de 2015

Ana Luísa Amaral: Que pode ser portátil (e trágico) o amor



Um romance de amor por esta noite
em lua nevoenta ― e uma máquina velha
de escrever. Ingénua e tão portátil,
de imensa melodia desigual.

Ah, o prazer do verso em movimento
lento, o til beijando em fogo a mancha
do papel que se arrepia ao longo
de mil gralhas. O sentimento mútuo

e vagaroso: o «um» feito com ele,
o «zero» a servir de ó, a letra que não sai,
desesperada, por culpa de algum pó,
que se intromete, negro de ciúme.

Agora, o xis em cima de palavra
moribunda de amor. Morreu. Qual trágica
Desdémona, morreu. Uma morte pujante
de sereia, com tinta longa e cheia,




e não desaparecendo-se vilmente
(Ofélia evanescente). Ah, o prazer
de linha de permeio, descalça,
toda nua, em premente desvio. O frio
que ela aqui faz, fingindo-se de frio
― na letra em desalinho ― o travessão
falhado no caminho, mas em perfeito lume.
E o regresso ao ciúme mais sublime:

voltar atrás na linha e repetir
o crime: acento muito grave e de
perfume que se tinha esquecido de nascer:
aparição agudamente bela.



Ana Luísa Amaral
Portugal (Lisboa) 1956
in Poesia Reunida
Editor: Edições Quasi
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