
Paga-me um café e conto-te a minha vida
O inverno avançava
nessa tarde em que te ouvi
nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira disso me lembro
outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu não, tu nunca choraste
por amores que se perdem
Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois
«Pago-te um café se me contares
o teu amor»
o teu amor»
José Tolentino Mendonça
Portugal (Machico, Madeira) 1965
in A noite abre meus olhos “Poesia reunida”
Editor: Assírio & Alvim
photo by Google
Sem comentários:
Enviar um comentário