Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

16 de abril de 2014

Filipe Marinheiro: Se chego...



Se chego
é porque quero dormir
a bordo dos teus cabelos cristalizados
nunca chego a acordar
para não ver as horas a partir

Desimpeço as dedadas dos cânticos
nas tuas coxas a balouçar,
excito-me no lodo em brasas
e perco-me na arte que é penetrar

Nossos corpos metricamente suados
pousavam num cometa de que nunca tinha ouvido falar
voávamos cruzados em ácido benigno
os nossos sexos dançavam e cantarolavam
os navios numerosos
estavam indiferentes aos ruídos
as aves levavam tufos de lã
ao crepúsculo de mantos perdidos nos becos

Nas quilhas nasciam asas portáteis
os porões davam guarida às gotículas da humidade feroz
que algazarra por lá vai, nem imaginam
é um outro mundo


Tu e eu fitávamo-nos mutuamente
com o êxtase em desordem.
O universo era só e só nosso.
Produzíamos um castrador prazer

No arfar das ondulações em movimento
despertámos um agudo gemido
e os orgasmos finalmente
tiveram de zarpar doridamente
numa mítica dimensão

Se chego
é porque quero dormir
a bordo dos teus cabelos cristalizados
nunca chego a acordar
para não ver as horas a partir


Filipe Marinheiro
Portugal (Coimbra) 1982
in Silêncios
Editor: Chiado Editora
photo by google

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