
É
ela! é ela! ─
murmurei tremendo,
E
o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu
a vi ─ minha
fada aérea e pura ─
A
minha lavadeira na janela!
Dessas
águas furtadas onde eu moro
Eu
a vejo estendendo no telhado
Os
vestidos de chita, as saias brancas;
Eu
a vejo e suspiro enamorado!
Esta
noite eu ousei mais atrevido,
Nas
telhas que estalavam nos meus passos,
Ir
espiar seu venturoso sono,
Vê-la
mais bela de Morfeu nos braços!
Como
dormia! que profundo sono!...
Tinha
na mão o ferro do engomado...
Como
roncava maviosa e pura!...
Quase
caí na rua desmaiado!
Afastei
a janela, entrei medroso...
Palpitava-lhe
o seio adormecido...
Fui
beijá-la... roubei do seio dela
Um
bilhete que estava ali metido...
Oh!
de certo... (pensei) é doce página
Onde
a alma derramou gentis amores;
São
versos dela... que amanhã de certo
Ela
me enviará cheios de flores...
Tremi
de febre! Venturosa folha!
Quem
pousasse contigo neste seio!
Como
Otelo beijando a sua esposa,
eu
beijei-a a tremer de devaneio...
É
ela! é ela! ─ repeti
tremendo;
Mas
cantou nesse instante uma coruja...
Abri
cioso a página secreta...
Oh!
meu Deus! era um rol de roupa suja!
Mas
se Werther morreu por ver Carlota
Dando
pão com manteiga às criancinhas,
Se
achou-a assim mais bela, ─
eu mais te adoro
Sonhando-te
a lavar as camisinhas!
É
ela! é ela, meu amor, minh'alma,
A
Laura, a Beatriz que o céu revela...
É
ela! é ela! ─
murmurei tremendo,
E
o eco ao longe suspirou ─
é ela! ─
Álvares
de Azevedo
Brasil
(São Paulo) 1831-1852
“
in Cinco Séculos de Poesia –
Antologia
da Poesia Clássica Brasileira “
Seleção:
Frederico Barbosa
Editor: Landy Editora
photo by Google
Sem comentários:
Enviar um comentário