Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

21 de dezembro de 2011

A nau catrineta

La vem a nau catrineta,
Que tem muito que contar,
Ouvide agora, senhores,
Uma história de pasmar.

Passava mais de ano e dia,
         Que iam na volta do mar,
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.

Deitaram sola de molho,
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija,
Que não a puderam tragar.

Deitam sortes à ventura,
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte,
              No capitão general
             “Sobe, sobe marujinho,
Àquele mastro real,
                              Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal;

Vejo sete espadas nuas,
Que estão para te matar;

-“Acima, acima, gajeiro,
 Acima ao tope real!
 Olha se enxergas Espanha,
 Areias de Portugal;
  
-“Alvíssaras, capitão,
Meu capitão- general!
Já vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal.

Mais enxergo três meninas,
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas,
Está no meio a chorar”.

-“Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas,
Contigo a hei-de casar”.

-“Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar;
Não quero o vosso dinheiro,
Pois vos custou a ganhar;
  
-“Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual;
-“Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar;

-“Dar-te-ei nau catrineta,
Para nela navegar;
-“Não quero a nau catrineta,
Que não a sei governar;
  
-“Que queres tu meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?
Capitão quero a tua alma
Para comigo a levar;

-“Renego de ti demónio,
Que me estavas a tentar!
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar;

Tomou-o um anjo nos braços
Não no deixou afogar.

Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau catrineta,
Estava em terra a varar.

 In Histórias Tradicionais Portuguesas

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