Canção cruel
Corpo de ânsia.
Eu sonhei que te prostava,
E te enleava
Aos meus músculos!
Olhos de êxtase,
Eu sonhei que em vós bebia
Melancolia
De há séculos!
Boca sôfrega,
Rosa brava
Eu sonhei que te esfolhava
Pétala a pétala!
Seios rígidos,
Eu sonhei que vos mordia
Até que sentia
Vómitos!
Ventre de mármore,
Eu sonhei que te sugava,
E esgotava
Como a um cálice!
Pernas de estátua,
Eu sonhei que vos abria,
Na fantasia,
Como pórticos!
Pés de sílfide,
Eu sonhei que vos queimava
Na lava
Destas mãos ávidas!
Corpo de ânsia,
Flor de volúpia sem lei!
Não te apagues, sonho! Mata-me
Como eu sonhei.
José Régio
(Portugal 1901-1969)
photo by Google
Carta de apresentação
O SECRETO MILAGRE DA POESIA
Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.
Excerto
in Rosa do Mundo
6 de dezembro de 2011
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