Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

12 de dezembro de 2011

Balada da neve


Batem leve, levemente
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
e a chuva não bate assim...

É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...                 
   
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Não é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezinhos de criança...

E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los
Primeiro bem definidos,
- Depois em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?...
Porque padecem assim?...

E uma infinita tristeza
Uma funda turvação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
E cai no meu coração.

Augusto Gil
Portugal 1873-1929
photo by Google 

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