Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

30 de junho de 2022

Herberto Helder: A faca não corta o fogo

 
a faca não corta o fogo,
não me corta o sangue escrito,
não corta a água,
e quem não queria uma língua dentro da própria língua?
eu sim queria,
jogando linho com dedos, conjugando
onde os verbos não conjugam,
no mundo há poucos fenómenos do fogo,
água há pouca,
mas a língua, fia-se a gente dela por não ser como se queria,
mais brotada, inerente, incalculável,
e se a mão fia a estriga e a retoma do nada,
e a abre e fecha,
é que sim que eu a amava como bárbara maravilha,
porque no mundo há pouco fogo a cortar
e a água cortada é pouca,
ique língua,
que húmida língua, que muda, miúda, relativa, absoluta,
e que pouca, incrível, muita,
 e la poésie, c'est quand le quotidien devient extraordinaire, e que música,
que despropósito, que língua língua,
é do Maurice Lefèvre, e rebenta com a boca!
queria-a toda




Herberto Helder
Portugal, 1930-2015
in A faca não corta o fogo
Editor: Assírio & Alvim
photo by Google

Sem comentários: