Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

5 de junho de 2022

Olegário Mariano: Dona Boa

 

Dona Boa sai à rua.
Faz um dia de garoa...
Que toilette! Quase nua
          Dona Boa

Pisa de leve... tique taque...
Às vezes, nem pisa, voa...
Que assombro! Sempre em destaque
          Dona Boa...

No Flamengo. Quando chega
e o chambre desabotoa,
para o trânsito. É uma grega
         Dona Boa...

Espreguiça-se, arredonda
o corpo se aperfeiçoa.
E vai calmamente na onda
         Dona Boa...

E sobe e desce... No arranco
da vaga se amontoa,
levanta um braço. Que branco
        o braço de Dona Boa!

Toma chá no Renaissance,
com torradas de Lisboa...
Tão boa para um romance
          tão Boa...

No cinema. A orquestra louca
Num rag-time se esboroa...
Ela abre um sorriso... Que boca
          tem Dona Boa!

No Palace. O Cipriano
Fidalgamente abordou-a
e apresentou-nos: «Fulano
          e Dona Boa...»

Fiquei frio. Deu-me a breve
mão; o meu lábio beijou-a.
Como é delicioso e leve
         o cheiro de Dona Boa!

Disse eu logo um galanteio...
Riu num riso que atraiçoa.
Caía um lírio do seio
          de Dona Boa.




Olegário Mariano
Brasil, 1889-1958
photo by Google


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