A António Botto
Foi numa tarde, há muito, em que eu morria
Como num sonho ansiosamente vago.
Via nuvens fugindo sobre um lago,
Lá num deserto onde o luar nascia.
Morria a ouvir não sei que melodia
Fluir da flauta de não sei que mago...
E uma figura erguia-se do lago,
Vinha, mordia-me no peito..., e ardia.
A minha mãe que estava ao lado, quieta,
Eu dizia:-- "Mamã, quero ser poeta!"
E consumia-a num abraço estreito.
... De noite, ergueram-se uivos do horizonte.
E eu sentia correr, como uma fonte,
A chaga que se abria no meu peito!
José Régio
Portugal, 1901-1969
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