Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

7 de junho de 2022

Vicente de Carvalho: Visão Negra

 

Eu penso muita vez em ti que já morreste,
Deliciosa mulher que tanto amei um dia
E que dormes agora em baixo do cipreste,
na funérea mudez da sepultura fria.

Em ti, por quem outrora ardente eu desfolhava
A grinalda de luz dos vívidos desejos,
E em derredor de quem famélico esvoaçava
-- Palpitante e febril -- o enxame de meus beijos.

E julgo ver então -- negra quimera informe --
Erguer-se do sepulcro em que teu corpo dorme
Uma ossada asquerosa, e vir oferecer-me

A meus beijos, um rosto esburacado, infecto,
Onde cevou-se a boca esquálida do verme...
-- E a um cadáver de amor, o amor de um esqueleto.





Vicente de Carvalho
Brasil, 1866-1924
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