Zé Borrasca, embarcadiço,
Que não tem medo da morte
Parte, e sem chorar por isso,
Chorando deixa a consorte.
Cruza terra e oceanos,
Correndo perigos mil,
E, ao fim de dois longos anos,
Chega de volta ao Brasil.
Chega pronto a dar abraços,
E beijos... Mas, espantado,
Acha, da mulher nos braços,
Um bebê gordo e corado.
«Senhora!» -- e no olhar o brilho
Tem de um Otelo feroz...
«A quem pertence este filho,
Senhora?» -- E treme-lhe a voz...
Chora a sogra... A mulher chora...
Mas Borrasca não descansa:
«Senhora! fale, senhora!
Quem é o pai da criança?!»
Responde a mulher aos brados,
Mostrando o filhinho nu:
«Pois nós somos casados,
Ó Borrasca! o pai és tu...»
«Eu, senhora? mente! mente!
Nem esta coisa tem jeito!
Dois anos estive ausente
Da minha pátria e do leito!...»
E ela: «Existem tais enganos!
Tantos enganos já vi!...
Quem sabe se lá os anos
não são mais longos que aqui?...»
Olavo Bilac
Brasil, 1865-1918
photo by Google
Sem comentários:
Enviar um comentário