Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

27 de fevereiro de 2012

Ritual do Amor : Maria Teresa Horta

I
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

As pernas cruzadas
na racha entreaberta

Os braços erguidos
e o vestido
subido nas coxas que se despe

II
Depois é a penumbra
e o vestido
a tirar pela cabeça
amarrotado

As mãos abocanhando
o cimo do vestido
no desatino - na pressa
que as invade

Acesa a carne
no ócio dessa tarde
liberta enfim da seda do vestido

que em vez de seda é sede
e é a tarde
acesa enfim no corpo sem vestido

III
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

na febre em que
se despe
e é tirado
no hálito do quarto

ou atirado
e cai devagar
depois de ser despido

IV
Aos pés
está o vestido
amachucado

depois os joelhos no vestido

as coxas brandas e doces
no tecido
que vai cedendo ao gosto dessa tarde

V
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que se ergue
do chão
amarfanhado

o vestido que mal foi despido
conheceu do corpo
o peso do seu acto

VI
Assim volta à maneira
de vesti-lo
tornar a descê-lo pelos braços

cortando logo a tarde
e a ternura
perdida na penumbra desse quarto

VII
Quanta saudade
da seda do vestido
que à pele adere
num outro abraço

Baraço entorpecido
nos sentidos
secreta maneira
de tolher os passos

VIII
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

Já só memória
o corpo todo
nu

Dissimulado agora pelo vestido
que os dedos abandonam

um a um

IX
A fímbria do vestido
a fenda do vestido

que o gesto alisa
ao descer o fato

Vestido que na fímbria
ainda é vestido
mas não na fenda
onde já se abre

Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo
(Portugal)


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