Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

25 de junho de 2015

Cartas Portuguesas, excerto: Soror Mariana Alcoforado


Esta é uma das cartas escritas por Mariana Alcoforado ao seu grande amor:

Ignoro por que motivo te escrevo...
Vejo que apenas terás dó de mim, e eu rejeito a tua compaixão, e nada quero dela;
Enfado-me contra mim mesma, quando faço reflexão sobre tudo o que te sacrifiquei...
Perdi a minha reputação; expus-me aos furores de meus pais e parentes, às severas
leis deste Reino contra as religiosas...
E à tua ingratidão, que me parece a maior de todas as desgraças...Ainda assim eu
sinto que os meus remorsos não são verdadeiros, e que do íntimo do meu coração
quisera ter corrido muito maiores perigos por Amor de ti, e provo um
funesto prazer de ter arriscado por ti vida e honra.
Tudo o que me é mais precioso não devia eu entregá-lo à tua disposição?...
E não devo eu ter muita satisfação de o ter empregado como fiz?...
Parece-me até não estar contente, nem dás minhas mágoas, nem do excesso de meu Amor,
ainda que, ai de mim! não
possa, mal pecado, lisonjear-me de estar contente de ti...
Vivo, e como desleal, faço tanto por conservar a vida, quanto perdê-la!...
Morro de vergonha...
Acaso a minha desesperação existe somente nas minhas ?...
Se eu te amasse com aquele extremo que milhares de vezes te disse, não teria eu já de
longo tempo cessado de viver?...
Enganei-te...
Tens toda a razão de queixar-te de mim...
Ah ! por que não te queixas?...
Vi-te partir; nenhumas esperanças posso ter de mais ver-te. e ainda respiro!...
É uma traição...
Peço-te dela perdão. Mas não mo concedas...
Trata-me rigorosamente. Não julgues os meus sentimentos veementes...
cont.)
Sê mais difícil de contentar...
Ordena-me nas tuas cartas que morra de Amor por ti...
Oh! conjuro-te de me dares esse auxílio para poder vencer a fraqueza do meu sexo,
e pôr termo às minhas irresoluções,
por um golpe de verdadeira desesperação. Um fim trágico obrigar-te-ia, sem dúvida,
a pensar muitas vezes em mim...
A minha memória te seria cara, e quiçá esta morte extraordinária te causaria uma sensível comoção.
E a morte não é porventura preferível ao estado a que me abaixaste?...
Adeus! Muito quisera nunca haver posto os olhos em ti.
Ah! sinto vivamente a falsidade deste sentimento, e conheço neste mesmo instante em que te escrevo,
quanto prefiro e prezo mais ser infeliz amando-te, do que não te haver jamais visto.
Cedo sem murmurar à minha malfadada sorte, já que tu não quiseste torná-la melhor. Adeus.
Promete-me de conservar uma terna e maviosa saudade de mim, se eu falecer de dor; e assim
possa ao menos a violência da minha paixão, inspirar-te desgosto e afastar-te de tudo!
Esta consolação me será suficiente, e, se é força que te abandone para sempre, desejara muito
não deixar-te a outra.
Dize, não seria nímia crueldade a tua, se te servisses da minha desesperação para, pareceres
mais amável, mostrando que acendeste a maior paixão que houve no mundo?
Adeus outra vez...
Escrevo-te cartas excessivamente longas, o que é uma falta de consideração para ti: peço-te mil perdões,
e atrevo-me a esperar que terás alguma indulgência para com uma pobre insensata, que o não era,
como tu bem sabes, antes de amarte.
Adeus.
Parece-me que demasiadas vezes me dilato em falar do estado insuportável em que estou.
Contudo agradeço-te, do íntimo do meu coração, a desesperação que me causas, e aborreço o sossego
em que vivi antes de conhecer-te...
Adeus.
A minha paixão cresce a cada momento.
Ah! quantas cousas tinha ainda para dizer-te!...



Soror Mariana Alcoforado
(Portugal 1640-1723)
in Cartas Portuguesas
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