Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

30 de março de 2013

José Asunción Silva: Poeta diz baixinho

                    Pota diz baixinho
                         os beijos furtivos!...


A sombra! As recordações! A lua não lançava
ali um único raio... Tremias e eras minha.
Tremias e eras minha sob a espessa folhagem,
um pirilampo errante alumiou-nos o beijo,
o contacto furtivo dos teus lábios de seda...
A selva negra e mística foi o quarto sombrio...
Naquele sitio o musgo tem um odor de reseda...
Passou luz pelos ramos como se o dia chegasse,
entre as névoas pálidas a lua aparecia...

                    Poeta diz baixinho
                         os íntimos beijos!

Ah, lembro-me ainda das noites doces!
No quarto senhorial, onde a tapeçaria
abafava o ruído com os seus fios espessos
nua nos meus braços foram teus beijos;
teu corpo de vinte anos entre a vermelha seda,
teus cabelos dourados e a tua melancolia
tuas frescuras de virgem e teu perfume de reseda...
os abatidos fios da tapeçaria.

                    Poeta diz baixinho
                         o último beijo!

Ah, lembro-me ainda da noite trágica!
O caixão heráldico no salão jazia,
o meu ouvido fatigado por vigílias e excessos,
sentiu como à distância as monótomas preces!
Tu, triste, hirta e pálida entre a seda negra,
a chama das velas tremia e movia-se,
perfumava a atmosfera um odor de reseda,
um crucifixo pálido os braços estendia
e gelada e violácea tua boca que foi minha!


José Asunción Silva
(Colômbia 1865-1896)
in Um país que sonha
"cem anos poesia colombiana"



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