Quando
eu me sento à janela
P'los
vidros qu'a neve embaça
Vejo
a doce imagem d'elia
N'esta
escuridão tristonha
Duma
travessa sombria
Quando
aparece risonha
Brilha
mais qu'a luz do dia.
Quando
está noite ceifada
E
contemplo imagem sua
Que
rompe a treva fechada
Como
um reflexo da lua,
Penso
ver o seu semblante
Com
funda melancolia
Qu'o
lábio embriagante
Não
conheceu a alegria
E
vejo curvado à dor
Todo
o seu primeiro encanto
Comunica-mo
o palor
As
faces, aos olhos pranto.
Todos
os dias passava
Por
aquela estreita rua
E
o palor que m'aterrava
Cada
vez mais s'acentua
Um
dia já não passou
O
outro também já não
A
sua ausência cavou
Ferida
no meu coração
Na
manhã do outro dia
Com
o olhar amortecido
Fúnebre
cortejo via
E
o coração dolorido
Lançou-me
em pesar profundo
Lançou-me
a mágoa seu véu:
Menos
um ser n'este mundo
E
mais um anjo no céu.
Depois
o carro funério
Esse
carro d'amargura
Entrou
lá no cemitério
Eis
ali a sepultura:
Epitáfio.
Cristãos!
Aqui jaz no pó da sepultura
Uma
jovem filha da melancolia
O
seu viver foi repleto d'amargura
Seu
rir foi pranto, dor sua alegria.
Quando
eu me sento à janela
P'los
vidros qu'a neve embaça
Julgo
ver imagem dela
Que
já não passa... não passa.
Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
in Cancioneiro
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