Era preciso mais do que
silêncio,
era preciso pelo menos uma
grande gritaria,
uma crise de nervos, um
incêndio,
portas a bater, correrias.
Mas ficaste calada,
apetecia-te chorar mas primeiro
tinhas que arranjar o cabelo,
perguntaste-me as horas, eram 3
da tarde,
já não me lembro de que dia,
talvez de um dia
em que era eu quem morria,
um dia que começara mal, tinha
deixado
as chaves na fechadura do lado
de dentro da porta,
e agora ali estavas tu,
morta(morta como se
estivesses morta!),olhando-me em
silêncio estendida no asfalto,
e ninguém perguntava nada e
ninguém falava alto!
Manuel António Pina
(Portugal 1943-2012)
in Todas as Palavras
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