Tece, amor, as
grinaldas com que queres
Coroar o amor que nem
sabemos ter,
Com brancas mãos em
lento movimento
De papoulas e pobres
malmequeres...
Tece-as para que ao
menos o momento
Em que as teces nos
possa pertencer.
Se para coroar o amor
as teces
Pensas no amor
tecendo-as, e assim amas;
Se vendo-te, em ti
vejo que o conheces
Amo contigo o amor em
que tu pensas.
E um momento o amor
queima as suas chamas
Na ara das nossas
almas já pretensas.
Mas se a grinalda é
feita, o amor cessou.
Se é preciso entre
nós o gesto e o gozo
Nunca o pensado amor
levanta o voo,
Nunca da nossa noite
de sentir
Raiou o sol do alto,
e o olhar cobiçou
Uma cousa real que vá
fruir.
No sonho do que nunca
pode haver
Entre nós, porque há
em nós o pensamento,
Gastamos o desejo sem
o ter.
A taça cai do gesto
mal seguro
Porque pensamos em
beber, e o intento
Cansa o braço, e é
entornado o néctar puro.
Viemos, meu amor, no
fim da tarde.
O que há do sol é o
que resta acima
Dos montes, poesia
baça e sonho que arde,
E só por saudade os
céus anima.
O nosso olhar não
ousa olhar o outro
Outros tiveram por
seu tempo o dia
Gozaram outros quando
o sol era alto,
A vergonha que há em
nós da sua orgia
É a vergonha de nós a
não ousarmos.
Nós pensamos no amor
em sobressalto
E para amarmos só nos
falta amarmos.
Os deuses foram-se, e
consigo foi
A clareza da alma
para (com) a vida.
O que ontem era o
gozo, é o que hoje dói.
O que ontem era a
cousa procurada
É hoje só a cousa
apetecida,
Ainda desejada e não
ousada.
Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
“in Poesia 1918-1930”
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