Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

3 de maio de 2013

Inês : Fernando Pessoa



Sentados sós, lado a lado,
Com a névoa dos montes ao fundo
Do fundo do céu azulado.

(Na hora das rosas a morte)
 
Eu o que dizia era
Igual ao que eu não dizia,
Princípio da primavera.

(Na hora das rosas a morte)

Os nossos pés, lado a lado,
Quietos na erva, curvando-a,
Na erva de qualquer prado.

(Na hora das rosas a morte)

Sobre nós a sombra dos ramos,
Nossas costas no tronco largo,
Lado a lado, □

(Na hora das rosas a morte)

Braço esquerdo, braço direito
Tocando de leve um no outro
Lado a lado, ali, sem defeito.

(Na hora das rosas a morte)

Sem olharmos um para onde
Estava o outro, mas lado a lado
Ao fundo do fundo o monte.

(Na hora das rosas a morte)

O que a alma me respondia
Do lado de mim, existente;
Era o mesmo que eu dizia.

(Na hora das rosas a morte)

Jardim do princípio da vida?
Ninguém... Lado a lado olhando
Nada connosco a descida.

(Na hora das rosas a morte)

Depois era a estrada deserta
E vedando-a de nós o muro
Lá em baixo, a descida finda2

(Na hora das rosas a morte)

Depois, para além da estrada
Subia outra vez... Lado a lado
Viamos, sem ver nada.

(Na hora das rosas a morte)

Depois era o monte pequeno,
Depois montes e mais montes,
O último o mais sereno

(Na hora das rosas a morte)

No monte do fim se via
A névoa no alto do monte,
Um sol frio aquecia.

(Na hora das rosas a morte)

E a copa da árvore descida
Só pouco do céu azul
Deixava ao olhar e à vida

(Na hora das rosas a morte)

Não sei como foi, ou o que era
Dos montes, da sombra, da erva,
Princípio da primavera...

(Na hora das rosas a morte)


Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
“in Poesia 1918-1930”
photo by Google

Sem comentários: