Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

5 de maio de 2013

Al Berto: dos cachalotes...


















dos cachalotes, é o espermacete que me embriaga a existência o olor quase insuportável de tenebrosas orquídeas bordadas aos alicerces ancestrais da casa a vegetação meticulosa, com suas seivas lentas, 
onde o corpo ou um inocente desejo se escondem os tanques lavam roupa e os répteis esquivos parecem devastar o sonho inundando-me a boca com densos venenos nas pálpebras, interrompe o musgo seu minúsculo crescimento respiram bolores enquanto as polposas flores chamam a si as zelosas abelhas
     
apesar de tudo o corpo prepara-se para o grito é-me dolorosa a memória daquele lugar de água luminosa só os dedos sujos de terra e visco aprenderam a peregrinar sobre os intermináveis mapas percorreram sobre a mesa 
a rota dalgum albatroz perdido espremeram frutos, que têm sabor a noite e trazem demorados amores
     
lembro-me, facilmente esquecíamos os iridescentes berlindes os tímidos mas rigorosos jogos de areia
nenhum vento veio perturbar o sábio trabalho das mãos acendia-se um fogo no centro daquela nova-idade, descobria-se um tesouro em forma de rosto, estou certo de que nos amámos e para o interior da terra descendo
há um segredo e uma casa velhíssima, uma porta de alvenaria ou o que resta de um atrevido espelho

a fuga é ainda possível, dizias
estávamos sentados frente ao lume, falávamos baixo
uma salamandra lisérgica soltava-se de manhã, um vulcão extinto
evocava outra longínqua solidão olhávamos o fogo  e no mapa dos corpos
tínhamos ainda toda a Samatra por descobrir


Al Berto
(Portugal 1948-1997)
In O Medo
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