Procuro o teu perfume, teu ombro, tua mão no
respirar momo das casas.
Revolvo-me no branco dos lencóis, como o mar
se revolve contra as parades, em maré viva.
O sopro de teu sono humedece-me o peito Manhã
confusa nevoenta luz
onde se quebra o pesadelo. Procuro-te, peixe
alucinante, no fundo lodoso de mim.
O dia nasce com um travo de sol frio, e dum
lado para o outro, dentro do exíguo quarto.
O ténue tecido das cortinas separa o sonho
vivido em ti da cidade há muito acordada.
Prolongo esse instante de ilusão, espio o teu
corpo desesperadamente nu.
No espelho já não sei quem sou. Adivinho-te,
paro o olhar naqueles olhos-reflexo
para me lembrar dos teus. Dentro do espelho
apareceu então a lívida pele do tempo
que nos separou. Uma flor áspera cresce nos
lábios, exterminadora. E na manhã mole
das flores minerais, sem forças nem esperma,
meu corpo aproxima-se do mortal eclipse.
Mil partículas fosforescentes explodem
convulsivas. Convulsiva borboleta do cio.
De novo o teu perfume de essência rara,
álcoois nocturnos, mão, minha mão sozinha e nua
prolongando-se em forma de caroço. Palpável
zinabre absorvido em espasmo lúcido, furioso.
Latejando no estilhaço cristalino da paixão,
segregado no silêncio iminente da morte.
Desço as escadas, abro a porta com a solidão
terrível de sonâmbulo na boca.
Compro o jornal, cigarros, o céu abre-se
gelado por cima da sórdida teia dos arranha-céus.
O café, estremeço num amargor que evoca
novamente a tua ausência.
Al Berto
(Portugal 1948-1997)
in O Medo
photo by Google
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