Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

3 de maio de 2013

Aquela loura a olhar a rir : Fernando Pessoa


                       

Aquela loura a olhar a rir
Que tinha o lenço descaído
E cujo andar faz descobrir
O que há por trás de seu vestido,
Aquela loura faz-me mal
E o meu olhar foi casual.

É isto. A gente vive asceta
E acha bastante só pensar
E em plena rua vem a seta
Que um corpo é arco de atirar.
Sim, o ascetismo continua
Mas fica essa visão da rua.

E entre mim e o que escrevo passa
O meneio que não olvido,
O olhar azul rindo com graça
A boca, o lenço descaído,
E já meu coração não tem
A calma em si que lhe convém.

Mas (não desejo exagerar)
Não pesa muito esta visão
Que vem assim arreliar
A minha firme solidão...
O mal que faz consegue conter
Qualquer prazer.

Bem: vamos à filosofia,
A cada qual, inda se o nada
Acata, há sempre uma alegria
Que dá e passa e dói e agrada...
E solidão todos a têm
O caso é que procurem bem.


Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
“in Poesia 1918-1930”
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