Maria da Graça
Gostas de contos Maria?
Pois um te vou eu contar
Que me contaram um dia
E me há-de sempre lembrar
Houve um tempo uma menina
Dessa idade ou pouco mais
(Chamava-se ela Angelina)
Que era o encanto dos pais.
Os pais eram pobrezinhos,
Não a podiam trazer
Bem vestida coitadinhos,
Mas que haviam de fazer!
Nem tudo a todos é dado,
E vestir bem, vestir mal…
Andar limpinho, asseado
É o ponto principal!
Ela o cabelo, as orelhas,
O rosto, o pescoço, enfim
As mesmas chitinhas velhas
Cheiravam a alecrim!
Só isto fosse ela cega
Lhe dava graça a valer;
Quanto mais sendo tão meiga
Que mais não podia ser:
As vezes que não havia
Nem um bocado de pão,
E a pobre mãe não podia
Disfarçar a aflição:
Já ela toda ansiada
Por ver chorar a mãe,
Principiava coitada
Com as lágrimas também:
Não sei porque se consome
Em não tendo que me dar;
A mim não me custa a fome,
Custa-me vê-la chorar!
E beijando e abraçando
A mãe para a distrair,
Toda trémula, chorando,
Fingia que estava a rir!
Quando chegou à idade
De já dizer tudo bem,
Claro e com facilidade,
A mãe fez o que convém:
Pô-la na escola (que a gente
Não é como os animais,
Que vêem unicamente
Com os olhos e nada mais:
Quem teve a grande desgraça
De não aprender a ler,
Sabe só o que se passa
No lugar onde estiver;
Assim como um porco imundo
Que vê dois palmos do chão:
Do mais que vai pelo mundo,
Nunca pode dar razão).
Pô-la na escola que havia
De uma senhora de bem,
Que ensinava e recebia
Só dos ricos e mais ninguém.
Lá a levou vestidinha
Pobremente já se vê,
E toda envergonhadinha,
Talvez sem saber de quê!
A mestra que se a algumas
Tratava com mais amor,
Era as pobres; disse a umas
Das que trajavam melhor:
-“Todas são alunas minhas
Aqui todas são iguais
(E ás vezes as pobrezinhas,
Tendo menos, valem mais…)
Façam lugar as meninas
A esta que agora vem;
Como é das mais pequeninas
No meio, ai, fica bem.
E ela assentou-se no meio
Das tais que por sinal até;
Mostrando certo receio
De se lhes chegar ao pé.
Com efeito era mania
Das tais meninas mofar
De alguma que não podia
Tanta riqueza ostentar.
E mal viram descuidada
A mestra com outras diz
A que era mais estouvada
Zombando da infeliz:
“Quem lhe deu esse vestido?
Isso era da sua mãe?
Porque lhe está tão comprido!
Isso que préstimo tem?”
Diz a outra “Olha esta fita
Do cabelo!...Era melhor
Atá-lo com uma guita…
Já nem se lhe sabe a cor!”
Assim levaram o dia,
A ponto de já as mais
Entravam na zombaria
Que estavam fazendo as tais.
A pobre com a vergonha
Por que a fizeram passar,
À noite deita-se e sonha…
Que havia ela de sonhar?!
Que vê cair uma estrela
Do grande colar de Deus,
Tão brilhante, que só ela
Alumiava esses céus;
E a estrela vinha descendo,
Amparando-se no ar,
Como uma pomba sustendo
As asas para poisar…
E poisou a poucos passos;
E ela, cega de esplendor,
Sente que a tomam nos braços
E a beijam com muito amor:
Beijos como só lhe dera
A própria mãe que a criou;
Mas essa mãe…bem não era…
Quem era?! E nisto acordou.
Abre os olhos, vê na mesa,
Onde a mãe tinha uma cruz,
Oh que enxoval! Que riqueza!
E põe-se: - Jesus! Jesus! –
Acode a mãe e pasmada,
Espantada do que vê,
De mãos postas ajoelhada,
Reza sem saber o quê!
Ergue-se então e desdobra
Uma capa, um xaile, um véu,
Vestidos muitos, de sobra,
E tudo feito no céu…
Daquela seda tão pura
De tão delicada cor
Que a gente vê nessa altura
Onde está Nosso Senhor;
E assim toda entremeada
De estrelinhas tais e quais
As d’uma noite estrelada,
Brilhantes como cristais!
Ao outro dia Angelina
Vai à escola e mal entrou,
Parece que a luz divina
Toda a casa alumiou!
Oh como aquelas vaidosas
Não haviam de ficar…
De vergonha as presunçosas
Nem levantaram o olhar!
Assim é que a providência
Costuma fazer aos vis,
Que levam a insolência
A zombar de um infeliz!
O presente que te dou,
É mostrar-te os desenganos
Que esperam quem se exaltou.
Quisera que toda a vida
Te conservasse o Senhor
Meiga, humilde e condoída
Com a miséria e a dor.
João de Deus
(Portugal 1830-1896)
1 comentário:
Sempre lindo este conto desde tenra idade até agora já na minha velhicel
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