Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

13 de novembro de 2011

Miséria : João de Deus

Era já noite cerrada
Diz o filho: Oh! Minha mãe,
Debaixo daquela arcada
Passava-se a noite bem!

A cega que todo o dia
Tinha levado a andar,
A tais palavras do guia
Sentiu-se reanimar.

Mas saltam dois cães de gado,
Que eram como leões:
Tinha-os à porta o morgado
Para o guardar dos ladrões.

Tornam os pobres à estrada,
E aonde haviam de ir dar?
Ao palácio da tapada
Onde El-Rei ia caçar.

À ceguinha meio morta
Torna o filho: Oh! Minha mãe,
Ali no vão de uma porta
Passava-se a noite bem!

Se os cães deixarem… (diz ela,
A triste num sorriso amargo).
Com efeito a sentinela:
-“Quem vem lá?... Passe ao largo”.

Então ceguinha e filhinho,
Vendo a sua esperança vã,
Deitaram-se no caminho
Até ao romper da manhã!...

João de Deus
(Portugal  1830-1896)
in Campo de flores

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