Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

4 de novembro de 2011

Santa Iria : Romance Tradicional Português


Estando eu à janela na minha almofada,
Minha agulha de ouro meu dedal de prata;

Passa um cavaleiro, pedia pousada;
Meu pai lha negou: quanto me custava;
-"Já vem vindo a noite, e tão só a estrada...
Senhor pai não digam tal de nossa casa

Que a um cavaleiro que pede pousada
Se feche esta porta à noite cerrada".

Roguei e pedi muito lhe pesava!
Mas eu tanto fiz que por fim deixava.

Fui-lhe abrir a porta, muito contente entrava;
Ao lar o levei, logo se assentava.

Ás mãos lhe dei água, ele se lavava;
Pus-lhe uma toalha, nela se limpava.

Poucas as palavras, que mal me falava,
Mas eu sentia que ele me mirava.

Fui a erguer os olhos, mal se levantava,
Os seus lindos olhos na terra os pregava.

Fui-lhe por a ceia, muito bem ceava;
A cama lhe fiz, nela se deitava.

Dei-lhe as boas noites, não me replicava:
Tão má cortesia nunca a vi usada!

Lá pela meia-noite que eu sufocava,
Sinto que me levam com a boca tapada...

Levam-me a cavalo, levam-me abraçada,
Correndo, correndo sempre à desfilada.

Sem abrir os olhos vi quem me roubava;
Calei-me e chorei ele não falava.

Dali muito longe que me perguntava
Eu na minha terra como me chamava.

-"Chamavam-me Iria, Iria a fidalga;
Por aqui agora Iria, a cansada.

Andando, andando, toda a noite andava;
Lá por madrugada que me atentava...

Horas esquecidas comigo lutava;
Nem forças nem rogos, tudo lhe mancava

Tirou do alforge...ali me matava;
Abriu uma cova onde me enterrava.

No fim de sete anos passa o cavaleiro,
Uma linda ermida viu naquele outeiro.

-"Minha Santa Iria, meu amor primeiro,
Se me perdoares serei teu romeiro.
-"Perdoar não te hei-de, ladrão carniceiro,
Que me degolaste que nem um cordeiro".

  Romance Tradicional Português



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