I
Agora que o calor esmaga, e faz
Mais morta em nós a magoada vida,
Ao meu espírito turvo mais apraz
A ideia de uma Sesta Indefinida.
Agora que o calor esmaga, e faz
Mais morta em nós a magoada vida,
Ao meu espírito turvo mais apraz
A ideia de uma Sesta Indefinida.
À sombra duma árvore encolhido
Com um dormir-ali-de-abandonado
Sem a memória alvar de ter vivido
Ou a consciência vã de ter pensado,
Com um dormir-ali-de-abandonado
Sem a memória alvar de ter vivido
Ou a consciência vã de ter pensado,
Eu gozaria a dor de ser somente
Uma morte de mim, sentindo apenas
Uma vida remota pertencente
A uma alma minha alheia às minhas penas.
Uma morte de mim, sentindo apenas
Uma vida remota pertencente
A uma alma minha alheia às minhas penas.
Seria eterno aquele meio-dia,
Sempre sol. Nunca porque refrescasse
Ou porque escurecesse acordaria
Meu ser nulo que apenas respirasse
E omitido de mim o tempo e o espaço
Olhos fechados — os do corpo e os da alma —
Eu dormiria a eternidade, baço
Numa quente e impessoal’ calma.
Sempre sol. Nunca porque refrescasse
Ou porque escurecesse acordaria
Meu ser nulo que apenas respirasse
E omitido de mim o tempo e o espaço
Olhos fechados — os do corpo e os da alma —
Eu dormiria a eternidade, baço
Numa quente e impessoal’ calma.
Seria assim a Sesta Indefinida...
No regaço da morte, infante
Eu viveria a imensidão da vida
Ao torpor que anuvia o mero Instante.
No regaço da morte, infante
Eu viveria a imensidão da vida
Ao torpor que anuvia o mero Instante.
II
Eu nada sou, e nada valho. Penso,
Memoro, e fica em mim o que
E é sempre mais estéril e intenso
Meu desejo de ser mais do que sonho...
Esvai-se no sonho o raciocínio vão
Que tivera a alegria ao começar
Sinto pesar-me em corpo o coração
A minha própria carne em mim pesar...
Que tivera a alegria ao começar
Sinto pesar-me em corpo o coração
A minha própria carne em mim pesar...
Eu nada sou, pois nada realizo,
Há entre mim e o mundo o abismo eterno
Do sonho ser apenas o impreciso
E o mundo externo não ser mais que externo.
Há entre mim e o mundo o abismo eterno
Do sonho ser apenas o impreciso
E o mundo externo não ser mais que externo.
Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
“in Poesia 1902-1917”
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