Milady,
é perigoso contemplá-la,
Quando
passa aromática e normal,
Com
seu tipo tão nobre e tão de sala,
Com
seus gestos de neve e de metal.
Sem
que nisso a desgoste ou desenfade,
Quantas
vezes, seguindo-lhe as passadas,
Eu
vejo-a, com real solenidade,
Ir
impondo toilettes complicadas!...
Em
si tudo me atrai como um tesouro:
O
seu ar pensativo e senhoril,
A
sua voz que tem um timbre de ouro
E
o seu nevado e lúcido perfil!
Ah!
Como me estonteia e me fascina...
E
é, na graça distinta do seu porte,
Como
a Moda supérflua e feminina,
E
tão alta e serena como a Morte!...
Eu
ontem encontrei-a, quando vinha,
Britânica,
e fazendo-me assombrar;
Grande
dama fatal, sempre sozinha,
E
com firmeza e música no andar!
O
seu olhar possui, num jogo ardente,
Um
arcanjo e um demônio a iluminá-lo;
Como
um florete, fere agudamente,
E
afaga como o pêlo dum regalo!
Pois
bem. Conserve o gelo por esposo,
E
mostre, se eu beijar-lhe as brancas mãos,
O
modo diplomático e orgulhoso
Que
Ana de Áustria mostrava aos cortesãos.
E
enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem
sorrisos, dramática, cortante;
Que
eu procuro fundir na minha chama
Seu
ermo coração, como um brilhante.
Mas
cuidado, milady, não se afoite,
Que
hão de acabar os bárbaros reais;
E
os povos humilhados, pela noite,
Para
a vingança aguçam os punhais.
E
um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob
o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu
hei-de ver errar, alucinadas,
E
arrastando farrapos - as rainhas!
Cesário Verde
(Portugal 1855-1886)
in O Livro de Cesário Verde
photo by Google
Sem comentários:
Enviar um comentário