Teus braços dormem no teu colo,
Quebras o busto para a frente.
Teu perfil é de desconsolo,
Mas a minha alma é que é doente.
Talvez tu penses, fugitiva,
Não triste, mas só pensativa,
Porque o sonho não satisfaz.
Eu, porém, para quem tudo é
A minha sombra sobre o mundo,
Ponho teu corpo, como o vê
Meu olhar, no meu ser profundo,
E interpreto para ânsia e erro
A tua simples posição,
Só para que haja mais desterro
No meu perdido coração,
Só para que entre o mole ondear
Do cortejo dos meus afectos,
Os sonhos sejam incompletos
E o cortejo sempre a acabar.
Não importa O teu vulto cisma,
Ou, se não cisma, cismo-o eu.
Deixa que a hora passe, e abisma
Meu sonho nesse gesto teu.
Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
“in Poesia 1902-1917”
photo by Google
Sem comentários:
Enviar um comentário