Carta de apresentação


O SECRETO MILAGRE DA POESIA

Sentimo-nos bem com seu contacto.
Disertamos sobre as suas maravilhas.
Auscultamos pequenas portas do seu mistério
e chegamos a perder-nos com prazer
no remoínho do seu interior.
Apercebemo-nos das suas fragilidades e manipulações.
Da sua extrema leveza.
Do silêncio de sangue e da sua banalização.

Excerto

in Rosa do Mundo

28 de abril de 2013

Ama, canta-me. Eu nada quero : Fernando Pessoa



Ama, canta-me. Eu nada quero
      Do mundo ouvir.
Sofro e, se penso, desespero.
      Eu quero dormir.

Um sono em que a alma se esqueça,
      Vazio embalar
Que o som do teu canto por fim desfaleça
      E eu durma sem sonhar.

Como malmequeres, para em minha sorte,
      Os meus sonhos desfolhei.
Tenho medo da vida, tenho medo à morte.
      Nunca tive o que amei.

Que a tua canção seja um nada, um afago,
      Como o som longe do mar.
Eu quero dormir, Ama, as dores que trago
      Só assim podem acabar.

Criança que vê os outros brincando
      Sem brinquedos, e sem companhia…
Conta-me, ama, vá-me o sono levando
      Como uma melodia…

Nocturna esperança feneceu no outono,
      Sussurro, secaram as águas…
Canta, e que o teu canto entre no meu sono
      Como um ai sem mágoas.


Fernando Pessoa
(Portugal 1888-1935)
“in Poesia 1918-1930”
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